São Paulo, terça-feira, 14 de outubro de 2008

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Gordon Brown foi no cerne do problema

PAUL KRUGMAN
DO "NEW YORK TIMES"

SERÁ que o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, salvou o sistema financeiro mundial?
Está bem, a questão é prematura ainda não estamos informados sobre a forma exata dos resgates planejados ao setor financeiro da Europa, ou, aliás, dos EUA, menos ainda se eles irão funcionar. O que sabemos, porém, é que Brown e Alistair Darling, o ministro das Finanças, definiram o caráter do esforço mundial de resgate, e os demais países ricos estão se esforçando para acompanhar os exemplos deles.
Trata-se de uma reviravolta inesperada. O governo britânico, afinal, não ocupa posição grandiosa nos assuntos econômicos mundiais. A economia britânica é muito menor que a americana, e o Banco da Inglaterra (BC do Reino Unido) de forma alguma dispõe de influência semelhante à do Fed (o BC dos EUA) ou do Banco Central Europeu (BCE). Por isso, poucos esperavam ver o país desempenhando papel de liderança.
Mas o governo Brown se provou disposto a pensar com clareza sobre a crise financeira, e agir com rapidez baseado naquilo que concluiu. E essa combinação de clareza e de espírito de decisão não foi acompanhada por nenhum outro governo ocidental, especialmente o dos EUA.
Qual é a natureza da crise? Os detalhes podem ser insanamente complexos, mas ela é basicamente muito simples.
O estouro da bolha imobiliária gerou imensos prejuízos para todos aqueles que adquiriram títulos lastreados em hipotecas. Esses prejuízos geraram endividamento excessivo em muitas instituições financeiras e as deixaram desprovidas do capital para fornecer o crédito que a economia precisa. As instituições em dificuldades tentaram saldar seus compromissos e reforçar seu capital pela venda de ativos, mas isso resultou em queda nos preços dos ativos, o que por sua vez diminuiu ainda mais o capital.
O que se pode fazer para conter a crise? Assistência aos proprietários de imóveis, ainda que desejável, não bastaria para impedir prejuízos pesados com maus empréstimos, e de qualquer jeito demoraria demais a fazer efeito, tendo em vista o pânico vigente. A coisa natural a fazer, portanto, e a solução adotada em muitas crises do passado, seria lidar com o problema da capitalização inadequada do setor financeiro por meio de injeções de capital realizadas pelo governo, em troca de participações acionárias nas empresas beneficiadas.
Mas, quando Henry Paulson, o secretário do Tesouro, anunciou seu plano para um pacote de resgate financeiro de US$ 700 bilhões, ele rejeitou esse caminho óbvio, declarando que "isso é o se faz em caso de quebras". Em vez disso, ele defendia a compra de títulos podres lastreados por hipotecas, com base na teoria de que... na verdade, não se sabe ao certo que teoria ele estava propondo.
Enquanto isso, o governo britânico foi direto ao cerne do problema e agiu para resolvê-lo com rapidez espantosa. Na quarta-feira, os funcionários do governo Brown anunciaram um plano para grandes injeções de capital nos bancos britânicos. E o primeiro desembolso pesado aconteceu ontem, cinco dias depois do anúncio do plano.
Em encontro anteontem, as principais economias da Europa continental se declararam dispostas a seguir o exemplo britânico, injetando centenas de bilhões de euros nos bancos e garantindo seus passivos. E, quem diria, Paulson - depois de possivelmente ter desperdiçado semanas preciosas- também reverteu o curso e agora planeja adquirir participações acionárias.
Como disse, ainda não se sabe se as medidas funcionarão. Mas as decisões políticas estão por fim sendo propelidas por uma visão clara quanto ao que deve ser feito. O que suscita a questão: por que essa visão clara veio de Londres, e não de Washington?
É difícil evitar a sensação de que a resposta inicial de Paulson foi distorcida pela ideologia. Lembrem-se de que ele trabalha para uma administração cuja filosofia pode ser resumida como "privado bom, público ruim".
Também fico ponderando se a inclinação do governo Bush por utilizar os serviços de amadores pode ter contribuído para o tropeço. Os profissionais mais experientes terminaram escorraçados e talvez não reste qualquer pessoa no Tesouro com a estatura e a experiência necessárias para dizer a Paulson que sua proposta não fazia sentido.
Para sorte da economia mundial, porém, Brown e seus funcionários estão fazendo sentido. E podem ter nos apontado o caminho para que escapemos a essa crise.


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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