São Paulo, quinta-feira, 14 de novembro de 2002

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LUÍS NASSIF

A trégua no plano externo

O governo Lula ganhou uma carência de dois a três anos para resolver o pepino externo brasileiro. A opinião é de Júlio Sérgio Gomes de Almeida, diretor técnico do Iedi (Instituto de Estudos de Desenvolvimento Industrial).
Sua avaliação tem dois ângulos. O primeiro, a redução da "prime", a taxa de juros básica norte-americana, criando uma folga no pagamento dos juros. O segundo, a balança comercial, cujo saldo, em 2002, já está em US$ 10,4 bilhões.
Parte relevante desse resultado se deveu à redução das importações. Só que ela não será permanente: 50% referem-se a importação de eletrônicos e material elétrico, por conta da crise de energia e do fim do ciclo das telecomunicações. Em setores duros, como a química, houve redução no valor por conta dos preços internacionais, porque houve aumento em volume.
No período de janeiro a setembro, a pauta de importação de bens de consumo caiu de US$ 4 bilhões para US$ 3,2 bilhões em relação ao mesmo período do ano passado. Desse total, no entanto, US$ 600 milhões foram de redução de importação de automóveis, e apenas US$ 200 milhões referentes aos demais itens.
Haverá de dois a três anos de uma trégua que permitirá algum crescimento do produto, sem a explosão das importações. Passada essa trégua, haverá novo "boom" das importações, com novos produtos de informática e de eletrônica de consumo, com a implantação da TV digital.
O Iedi analisou outros países que passaram por processo agudo de desvalorização cambial, como Rússia, Coréia, México e Espanha. Houve reversão drástica na balança comercial. O pontapé inicial é uma queda sensível das importações. No segundo ano, houve crescimento vertiginoso das exportações. Mas o México tinha o Nafta, a Espanha tinha a União Européia, a Rússia tinha petróleo e a Coréia tinha tecnologia. O Brasil terá de avançar fortemente em novos setores e aproveitar o momento para obter concessões para entrar no mercado norte-americano.
Há algumas vantagens iniciais para o próximo ano. A primeira é a provável recuperação dos preços de commodities internacionais, aparentemente marcando o fim de um ciclo de baixa que começou em 1997. A segunda é a recuperação da competitividade dos manufaturados brasileiros, fenômeno que foi escondido pela crise da Argentina, que levou à queda de 70% das exportações brasileiras para lá neste ano.
Mesmo assim, haverá enorme desafio pela frente. A substituição fácil de bens de consumo importados ocorreu no período 1999 a 2000, diz Júlio Sérgio. Agora, se entra em fase mais complexa, que exigirá investimento, atração de empresas internacionais para os setores duros.
Na opinião de Júlio Sérgio, Lula acertou um golaço com a bandeira da "Fome Zero". O segundo gol teria de ser o de transformar o Brasil em base exportadora. Até agora, a globalização da economia brasileira se deu exclusivamente pelo aumento das importações. Chegou a hora de um grande programa de atração de investimentos nacionais e internacionais para os chamados setores intensivos de capital.
Apesar dos grandes movimentos das multinacionais na década de 90, Júlio sustenta haver espaço para realocação das filiais. A recessão internacional parou o novo ciclo de expansão das multinacionais, diz ele. Mas o novo ciclo irá procurar distribuição geopolítica mais eqüitativa. A China começa a ser perseguida pelo fantasma de uma crise bancária. A Índia virou zona quase conflagrada. Esses fatores pesarão na redefinição das filiais. E, retomada a normalidade política, o Brasil se apresenta como alternativa atraente de segurança e crescimento.
O México ocupou esse espaço, mas recorrendo ao caminho fácil da maquiagem. Ao se abastecer com fornecedores asiáticos, não resolveu o problema geopolítico. O Brasil está optando por um caminho mais difícil, de agregar valor, porém mais consistente.
Para tanto, diz Júlio Sérgio, a Alca adquire papel fundamental, desde que, nas questões comerciais, o país inclua os argumentos de ordem geopolítica.

E-mail - lnassif@uol.com.br


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