São Paulo, sábado, 14 de novembro de 2009

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FREDERIC MISHKIN

Nem toda bolha representa risco



As bolhas perigosas são as de boom de crédito, e não há possibilidade de se formarem agora nos EUA e na Europa

EXISTE CRESCENTE preocupação quanto à possibilidade de que estejamos experimentando nova rodada de bolhas nos preços dos ativos, o que poderia representar grave risco para a economia. Será que esse perigo oferece argumentos que justifiquem o abandono da política de juros zero adotada pelo Federal Reserve (Fed, o BC dos EUA) mais cedo que o planejado? A resposta é não.
Será que as potenciais bolhas de ativos são sempre perigosas? As bolhas nos preços dos ativos podem ser separadas em duas categorias: a primeira, e perigosa, é a que defino como "bolha de boom de crédito", na qual expectativas exuberantes sobre perspectivas econômicas criam um boom de crédito. A demanda ampliada por alguns ativos que resulta disso eleva seus preços e por sua vez encoraja novos empréstimos garantidos por esses ativos, o que aumenta a demanda e, com isso, seus preços ainda mais, o que cria um ciclo de retroalimentação crescente. O ciclo de retroalimentação envolve um crescente endividamento, novos relaxamentos dos padrões de empréstimo e, com isso, endividamento ainda maior, e o ciclo prossegue.
Por fim, a bolha estoura e os preços dos ativos entram em colapso, o que resulta em reversão do ciclo de retroalimentação. Os empréstimos terminam não pagos, e os agentes começam a reduzir seu endividamento; a demanda por ativos cai e os preços recuam. Os prejuízos com empréstimos e declínios de preços de ativos resultantes erodem os balanços dos bancos, o que reduz ainda mais o crédito e o investimento. A redução no endividamento resultante deprime os negócios e os gastos domiciliares, o que debilita a atividade econômica e eleva o risco macroeconômico nos mercados de crédito. De fato, foi exatamente em torno disso que girou a crise recente.
A segunda categoria de bolha, que denomino "bolha de pura exuberância irracional", é muito menos perigosa, porque não envolve o ciclo de endividamento diante dos valores mais altos dos ativos. Sem boom de crédito, o estouro da bolha não resulta em paralisação do sistema financeiro e assim causa menos estrago. Por exemplo, a bolha nas ações de tecnologia do final dos anos 90 não foi alimentada por um circuito de retroalimentação entre empréstimos bancários e ações em alta; de fato, o estouro da bolha da tecnologia foi seguido por uma recessão bastante amena.
Se uma bolha representar perigo suficiente para a economia, como no caso das bolhas de boom de crédito, pode haver argumentos em favor de intervenção de política monetária. No entanto, existem fortes argumentos em contrário, e é por isso que há um debate, nos BCs e na comunidade acadêmica, sobre usar ou não a política monetária para restringir as bolhas no preço de ativos.
Mas, se existe a possibilidade de novas bolhas no momento, será que elas seriam da variedade perigosa, ou seja, de boom de crédito? Pelo menos nos EUA e na Europa, a resposta é não. Nosso problema não é um boom de crédito, mas sim o fato de que o processo de redução do endividamento ainda não tenha sido concluído. Os mercados de crédito continuam a sofrer aperto e criam sério arrasto para a economia.
O aperto da política monetária nos EUA ou Europa a fim de restringir uma possível bolha não faz sentido nas atuais circunstâncias. A decisão do Fed de manter a alegação de que a taxa de fundos federais será "excepcionalmente baixa" por um "período prolongado" faz sentido, dadas a recuperação apenas morna, a grande capacidade ociosa da economia, as baixas taxas de inflação vigentes e as expectativas de inflação estável. Nesse momento crítico, o Fed não deveria desviar suas atenções ao se concentrar em possíveis bolhas de ativos que não seriam da variedade mais perigosa, a de boom de crédito.


FREDERIC MISHKIN é professor da Universidade Columbia e foi membro do conselho do Fed. Este texto foi publicado originalmente no "Financial Times".

Tradução de PAULO MIGLIACCI

Excepcionalmente, hoje, a coluna de CESAR BENJAMIN não é publicada


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