São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 2008

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MOHAMED EL-ERIAN

Para salvar a economia mundial


O que estamos presenciando vai bem além de um choque cíclico e de uma consolidação do setor financeiro


OS LIVROS de história um dia documentarão que a economia mundial sofreu uma súbita parada depois de 15 de setembro. Ao acentuar deficiências estruturais já muito antigas, a maneira pela qual o Lehman Brothers quebrou solapou a confiança que serve de base ao funcionamento liso das economias de mercado. Como resultado, quase todos os indicadores econômicos e financeiros passaram a exibir sinais de parada cardíaca.
A situação ainda vai piorar antes que a recuperação comece -e ela só começará caso o setor privado e o público mudem sua maneira de pensar e deixem de lado os conceitos reconfortantes mas irreais de um retorno ao "business as usual" e aceitem a desagradável realidade de que estamos em meio a uma jornada para destino diferente.
Até 15 de setembro, o debate tinha por foco a questão do risco moral, ou seja, até que ponto as operações de resgate dos governos encorajam comportamentos irresponsáveis. A necessidade de sinalizar que o governo estava falando sério sobre disciplina motivou ao menos em parte a decisão de permitir a quebra do Lehman. O que não parece ter sido compreendido é o quanto a quebra de uma instituição pode afetar a estrutura de capital.
A maneira pela qual o Lehman quebrou perturbou tanto os pagamentos quanto as operações de compensação. Em todo o mundo, os participantes do mercado recuaram em massa diante daquilo que, até então, representava as mais cotidianas e corriqueiras transações. O que estamos presenciando vai bem além de um choque cíclico e de uma consolidação do setor financeiro. Também estamos em meio a um reforço prolongado do comportamento cautelar de parte de entidades que sofreram imensa destruição de riqueza e terão de passar anos restaurando seus ativos e negócios. Sem novos ajustes, haverá agravamento dos circuitos negativos de retroalimentação que tanto prejudicaram a situação econômica mundial.
É hora de suspender a fé injustificada quanto a um rápido retorno ao passado e de nos ajustarmos à realidade da mudança -o que significa passar menos tempo tentando prever até onde o mercado vai cair e mais garantindo que a administração de caixa e cauções acompanhe as perturbações, globais em termos de alcance e indiscriminadas em termos de impacto.
Ao manterem sua abordagem política mais ousada para compensar a caótica desalavancagem econômica, os governos devem ter em mente quatro princípios muito claros.
Primeiro, a intervenção deve ser limitada a setores que ocupem posição central no processo de cura, o que suplementaria os recentes sucessos nos mercados monetários e de "commercial papers" com a gradual normalização dos setores habitacional e financeiro.
Segundo, sempre que possível os governos deveriam formar parcerias com o setor privado. Terceiro, eles deveriam estabelecer com antecedência os mecanismos de saída. Por fim, não deveriam permitir que o perfeccionismo retarde a ação: a gestão de crises inevitavelmente resulta em incongruências, que terão de ser resolvidas por esforços de reconciliação e reforma.
O envolvimento agressivo dos governos contraria a doutrina básica do sistema de mercado. Por isso, ele deve ser minimizado. Mas, quando se torna necessário devido a um imenso e crescente colapso do mercado, é necessário que essa ação esteja sujeita aos princípios expostos acima. Quanto menos esses princípios forem respeitados, maior será o custo humano e menor a provável efetividade de qualquer medida política. Aprender rapidamente a enfrentar essa realidade brutal é crucial para salvaguardar a sustentabilidade em longo prazo dos mecanismos de mercado.

MOHAMED EL-ERIAN é co-presidente-executivo e de investimentos da Pimco. Este artigo foi publicado originalmente no "Financial Times".
Tradução de PAULO MIGLIACCI



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