São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 2008

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Para analistas, falta transparência às empresas abertas

Maioria dos processos julgados na CVM em 2008 está ligada a falhas na comunicação das companhias com o mercado

Nem metade das empresas listadas na Bovespa revela alto grau de transparência, dizem especialistas; até as mais líquidas têm falhas

DA REDAÇÃO

A falta de transparência nas relações com o mercado é a causa número um de processos julgados na CVM (Comissão de Valores Mobiliários) contra empresas, investidores e fundos neste ano, revela levantamento realizado pela Folha sobre dados da entidade.
De janeiro até o fim de novembro, foram julgados 32 processos sancionadores no órgão, dos quais 20 versam sobre erros e atrasos na elaboração de demonstrações financeiras, não-convocação de assembléias, sonegação de informações solicitadas por investidores ou não-notificação de negociações relativas a grandes lotes de ações (acima de 5% dos papéis em circulação).
A questão da transparência com o mercado ganhou peso recentemente na decisão de analistas de investimento depois das perdas bilionárias de empresas como a Aracruz em operações desconhecidas com derivativos cambiais -que renderam prejuízo de US$ 2,1 bilhões a uma companhia tida por referência em governança.
E os esqueletos nos armários podem ser maiores nas empresas cujas práticas estão longe de serem exemplares. Para analistas, nem metade das empresas listadas na Bovespa se comunica bem com o mercado.
"Das 440 empresas [listadas] em Bolsa no Brasil, só cerca de 200 podem ser chamadas de companhias abertas de verdade e têm boas políticas de transparência", avalia a recém-eleita presidente da Apimec Nacional (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais), Lucy Sousa.
"Eu diria que cem companhias estão no nível mundial, com excelente qualidade e transparência nas informações", completa o presidente do Ibri (Instituto Brasileiro de Relações com Investidores), Geraldo Soares, no que concorda Marina Mitiyo Yamamoto, coordenadora do MBA em RI (relações com investidores) da Fipecafi (Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras).
"As empresas cumprem os requisitos mínimos exigidos pela CVM, mas não detalham suas operações ou a remuneração de seus executivos. A linguagem usada na comunicação com investidores também costuma ser muito hermética", critica Sousa.
Na prática, isso significa a criação de barreiras adicionais para o pequeno investidor, já normalmente confuso a respeito da entrada na Bolsa.
"O investidor precisa entender que a transparência minimiza riscos", afirma Soares, que também é superintendente de RI do Itaú. "Antes de comprar, o investidor deve falar com o analista de investimento e tentar contato com o departamento de RI da empresa, por e-mail ou telefone."

Teste
Se for seguir a recomendação do presidente do Ibri, o pequeno investidor deverá optar pelo canal mais tradicional de contato: o telefone.
Teste realizado pela Folha com as cinco companhias mais líquidas do pregão da Bovespa no dia 19 de novembro revelou problemas no atendimento eletrônico. Foram enviados e-mails ao departamento de RI (conforme indicação do próprio site das companhias) de Petrobras, Vale, Itaú, Bradesco e BM&FBovespa.
As perguntas misturavam dúvidas típicas de pequenos investidores -como se a empresa oferecia ações ON e PN e qual era a diferença entre elas- e questões mais avançadas, sobre balanços trimestrais e efeitos da crise global. Também foram feitas questões que a rigor não poderiam ser respondidas, como qual seria o preço justo e os múltiplos preço/lucro dos papéis -informações prestadas por analistas de corretoras, mas vedadas às próprias empresas, que não podem induzir compras.
Das cinco contatadas, apenas a Petrobras ofereceu resposta personalizada por e-mail -no mesmo dia do envio das dúvidas. Vale e Itaú enviaram respostas parciais, indicando seus sites para obter mais informações e o contato com corretoras para dúvidas a respeito de negociação de papéis.
Os departamentos de RI de Bradesco e BM&FBovespa não responderam ao e-mail.
Procurada, a BM&FBovespa afirmou que não registrou o recebimento da mensagem eletrônica no dia 19 de novembro, às 15h20, por razão desconhecida. Disse que recebe em torno de 450 mensagens eletrônicas por mês, que são respondidas em até dois dias úteis.
O Bradesco também afirmou não acusar "durante o período de 18/11 a 22/11 o recebimento da mensagem [enviada pela Folha]" e disse possuir "uma equipe capacitada e orientada a atender prontamente a demanda dos investidores".
No contato telefônico, contudo, o resultado foi muito diferente. Funcionários de Bradesco e BM&FBovespa atenderam prontamente à chamada nos números indicados nos sites.
Responderam a todas as questões formuladas sem, contudo, tentar induzir compras. Vale, Itaú e Petrobras também forneceram atendimentos eficientes por telefone.

Mão-de-obra
Se a relação das empresas "já começa mal", nas palavras de Lucy Sousa, por causa da complexidade dos prospectos de abertura de capital, "elaborados em juridiquês", a carência de mão-de-obra qualificada agrava o cenário.
"A onda de IPOs em 2006 e 2007 fez com que muitas empresas abrissem capital antes de terem áreas de comunicação com o mercado bem estruturadas. Isso contribuiu para a falta de transparência", diz a nova presidente da Apimec.
De modo geral, prevalece nas empresas a filosofia de aproveitamento do pessoal da área financeira ou jurídica para formar os departamentos de RI, nem sempre com o devido preparo para comunicar de forma acessível os resultados das empresas, avalia Yamamoto, coordenadora do MBA da Fipecafi.
(RENATO ESSENFELDER)


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