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Para analistas, falta transparência às empresas abertas
Maioria dos processos julgados na CVM em 2008 está ligada a falhas na comunicação das companhias com o mercado
Nem metade das empresas listadas na Bovespa revela
alto grau de transparência, dizem especialistas; até as mais líquidas têm falhas
DA REDAÇÃO
A falta de transparência nas
relações com o mercado é a
causa número um de processos
julgados na CVM (Comissão de
Valores Mobiliários) contra
empresas, investidores e fundos neste ano, revela levantamento realizado pela Folha sobre dados da entidade.
De janeiro até o fim de novembro, foram julgados 32
processos sancionadores no
órgão, dos quais 20 versam sobre erros e atrasos na elaboração de demonstrações financeiras, não-convocação de assembléias, sonegação de informações solicitadas por investidores ou não-notificação de
negociações relativas a grandes
lotes de ações (acima de 5% dos
papéis em circulação).
A questão da transparência
com o mercado ganhou peso
recentemente na decisão de
analistas de investimento depois das perdas bilionárias de
empresas como a Aracruz em
operações desconhecidas com
derivativos cambiais -que renderam prejuízo de US$ 2,1 bilhões a uma companhia tida
por referência em governança.
E os esqueletos nos armários
podem ser maiores nas empresas cujas práticas estão longe
de serem exemplares. Para
analistas, nem metade das empresas listadas na Bovespa se
comunica bem com o mercado.
"Das 440 empresas [listadas]
em Bolsa no Brasil, só cerca de
200 podem ser chamadas de
companhias abertas de verdade e têm boas políticas de
transparência", avalia a recém-eleita presidente da Apimec
Nacional (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais), Lucy Sousa.
"Eu diria que cem companhias estão no nível mundial,
com excelente qualidade e
transparência nas informações", completa o presidente
do Ibri (Instituto Brasileiro de
Relações com Investidores),
Geraldo Soares, no que concorda Marina Mitiyo Yamamoto,
coordenadora do MBA em RI
(relações com investidores) da
Fipecafi (Fundação Instituto
de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras).
"As empresas cumprem os
requisitos mínimos exigidos
pela CVM, mas não detalham
suas operações ou a remuneração de seus executivos. A linguagem usada na comunicação
com investidores também costuma ser muito hermética",
critica Sousa.
Na prática, isso significa a
criação de barreiras adicionais
para o pequeno investidor, já
normalmente confuso a respeito da entrada na Bolsa.
"O investidor precisa entender que a transparência minimiza riscos", afirma Soares,
que também é superintendente de RI do Itaú. "Antes de
comprar, o investidor deve falar com o analista de investimento e tentar contato com o
departamento de RI da empresa, por e-mail ou telefone."
Teste
Se for seguir a recomendação
do presidente do Ibri, o pequeno investidor deverá optar pelo
canal mais tradicional de contato: o telefone.
Teste realizado pela Folha
com as cinco companhias mais
líquidas do pregão da Bovespa
no dia 19 de novembro revelou
problemas no atendimento
eletrônico. Foram enviados e-mails ao departamento de RI
(conforme indicação do próprio site das companhias) de
Petrobras, Vale, Itaú, Bradesco
e BM&FBovespa.
As perguntas misturavam
dúvidas típicas de pequenos investidores -como se a empresa oferecia ações ON e PN e
qual era a diferença entre
elas- e questões mais avançadas, sobre balanços trimestrais
e efeitos da crise global. Também foram feitas questões que
a rigor não poderiam ser respondidas, como qual seria o
preço justo e os múltiplos preço/lucro dos papéis -informações prestadas por analistas de
corretoras, mas vedadas às
próprias empresas, que não podem induzir compras.
Das cinco contatadas, apenas
a Petrobras ofereceu resposta
personalizada por e-mail -no
mesmo dia do envio das dúvidas. Vale e Itaú enviaram respostas parciais, indicando seus
sites para obter mais informações e o contato com corretoras para dúvidas a respeito de
negociação de papéis.
Os departamentos de RI de
Bradesco e BM&FBovespa não
responderam ao e-mail.
Procurada, a BM&FBovespa
afirmou que não registrou o recebimento da mensagem eletrônica no dia 19 de novembro,
às 15h20, por razão desconhecida. Disse que recebe em torno de 450 mensagens eletrônicas por mês, que são respondidas em até dois dias úteis.
O Bradesco também afirmou
não acusar "durante o período
de 18/11 a 22/11 o recebimento
da mensagem [enviada pela
Folha]" e disse possuir "uma
equipe capacitada e orientada a
atender prontamente a demanda dos investidores".
No contato telefônico, contudo, o resultado foi muito diferente. Funcionários de Bradesco e BM&FBovespa atenderam
prontamente à chamada nos
números indicados nos sites.
Responderam a todas as
questões formuladas sem, contudo, tentar induzir compras.
Vale, Itaú e Petrobras também
forneceram atendimentos eficientes por telefone.
Mão-de-obra
Se a relação das empresas "já
começa mal", nas palavras de
Lucy Sousa, por causa da complexidade dos prospectos de
abertura de capital, "elaborados em juridiquês", a carência
de mão-de-obra qualificada
agrava o cenário.
"A onda de IPOs em 2006 e
2007 fez com que muitas empresas abrissem capital antes
de terem áreas de comunicação
com o mercado bem estruturadas. Isso contribuiu para a falta
de transparência", diz a nova
presidente da Apimec.
De modo geral, prevalece nas
empresas a filosofia de aproveitamento do pessoal da área financeira ou jurídica para formar os departamentos de RI,
nem sempre com o devido preparo para comunicar de forma
acessível os resultados das empresas, avalia Yamamoto, coordenadora do MBA da Fipecafi.
(RENATO ESSENFELDER)
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