|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Uma tortuosa divagação
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Estou amargamente arrependido de ter prometido, na semana passada, tratar das alternativas de política cambial. De lá
para cá, a crise no leste da Ásia
recrudesceu outra vez, com repercussões imediatas sobre a
frágil posição brasileira.
Como disse o Elio Gaspari,
aqui na Folha, câmbio é feito
goteira. Quando chove forte, incomoda, mas ninguém se arrisca a subir no telhado para consertar. Quando pára a chuva, o
problema deixa de ser urgente e
aí ninguém toma providências.
Mas, como promessa é dívida,
vamos lá. Há um aspecto curioso em toda essa discussão. Temos sempre um número apreciável de analistas chapas-brancas dispostos a asseverar que "não há alternativa" à
política em vigor. E, no entanto,
a política cambial já sofreu várias modificações desde o início
do Plano Real.
Não importa. Depois de cada
modificação, há sempre um
bando de jornalistas e economistas que se prontifica a garantir, em uníssono, que não há
como mudar a política cambial.
A verdade é que há uma ampla gama de possibilidades de
mudança (aceleração das minidesvalorizações, mididesvalorização, cesta de moedas, flutuação cambial, entre outras). Tão
ampla que escapa ao que poderia ser discutido em um artigo
como este. E, vocês hão de convir, que anunciar uma série sobre o tema poderia desencadear
a fuga da maioria dos meus escassos leitores.
Não é só isso. Depois do artigo
da semana passada, o Osiris
Lopes me telefonou para comentar as observações sobre a
importância da obsessão. Como
quase todo obsessivo, o Osiris
tem pouquíssima paciência
com as obsessões alheias. Segundo ele, no meu caso, passar
um bom tempo sem tratar do
câmbio, além de poupar os leitores, constitui saudável medida de autoproteção. "Afinal",
lembrou ele, "essa obsessão já
te rendeu até uma interpelação
judicial do Banco Central!"
Mas estou perdendo o fio da
meada. O que eu queria dizer,
em primeiro lugar, é que poucos, muito poucos dão conta de
que as decisões e omissões da
política econômica condicionam, às vezes de maneira muito forte, as possibilidades de
atuação futura. Sem estabelecer
claramente esse ponto, não se
consegue nem sequer começar a
entender o debate sobre alternativas.
Os dramas atuais da política
cambial brasileira não resultam simplesmente dos choques
oriundos da Ásia. Estavam inscritos, em alguma medida, na
estratégia de política econômica seguida pelo Brasil desde
1994. Os diversos ajustamentos
nas políticas cambial, de comércio exterior e de endividamento externo, embora às vezes
significativos, não chegaram a
produzir uma modificação da
estratégia geral. O Brasil continuou fortemente dependente de
um ingresso expressivo de capital externo e da estabilidade
dos mercados financeiros internacionais.
Com a mudança do quadro
internacional, tornou-se evidente o caráter profundamente
problemático dessa estratégia.
Mas fica a pergunta: o que
fazer? Bem sei que, a essa altura, aumentou muito a quantidade de pessimistas fundamentais. Economistas das mais variadas tendências espalham o
desalento à boca pequena. A
cada rodada de turbulência
asiática, cresce o número de fatalistas, e em cada esquina esbarramos em sujeitos, sentados
no meio-fio, chorando as lágrimas de esguicho do Nelson Rodrigues.
Ora, ter opiniões sobre assuntos estritamente metafísicos e
misteriosos, como o fatalismo
ou o futuro da economia, é
mais questão de estado de espírito ou ânimo vital do que
qualquer outra coisa.
Mas estou me perdendo do assunto outra vez. Apesar de tudo, há, volto a dizer, várias alternativas defensáveis. O espaço remanescente só permite discutir uma delas: a aceleração
das minidesvalorizações. Não é
necessariamente a melhor opção, mas tem algumas vantagens.
A vantagem fundamental de
uma aceleração das minis é não
produzir uma ruptura das regras do jogo, algo sempre mais
arriscado em época de instabilidade e incerteza. Uma aceleração do ritmo anual de correção
dos atuais 7% para, digamos,
10% ao ano por algum tempo
não teria efeito inflacionário
significativo e não impediria a
taxa de inflação de continuar
diminuindo em 1998. Também
não perturbaria muito a vida
dos devedores em moeda estrangeira.
Por outro lado, como o gradualismo não traria melhora
significativa da posição do
câmbio real no curto prazo,
persistiria a vulnerabilidade
externa. Além disso, -e esse é o
seu calcanhar-de-aquiles- a
aceleração cambial tenderia a
tornar mais lenta a queda dos
juros. A redução mais lenta seria uma forma de compensar o
efeito negativo da aceleração
das minis sobre o ingresso de
capital externo.
Eis aí um exemplo prático de
como as decisões e omissões do
passado dificultam a correção
dos próprios problemas que elas
criam. A valorização cambial
do início do plano, nunca corrigida, gerou um desequilíbrio
externo que se faz, agora, urgente diminuir. Mas a dependência de recursos externos associada a esse mesmo desequilíbrio dificulta a adoção de medidas que poderiam reduzi-lo.
Dificulta, mas não inviabiliza. Há diversas maneiras de
contornar ou amenizar as desvantagens decorrentes de uma
aceleração das minis. Por
exemplo, para acelerar a redução do déficit externo pode-se
intensificar as medidas extracambiais de controle das importações e de estímulo às exportações. O governo já vem fazendo algo nesse sentido, mas a
margem de manobra ainda é
considerável, a despeito dos
compromissos assumidos no
âmbito do Mercosul e da Organização Mundial do Comércio
(OMC).
Quanto à taxa de juro, há a
possibilidade de diminuir a tributação sobre os rendimentos
das aplicações financeiras externas. Tudo o mais constante,
essa diminuição permitiria reduzir a taxa de juro interna
consistente com o ritmo esperado de desvalorização.
A aceleração das minis ainda
daria panos para manga. Mas
prometo não voltar ao assunto
na semana que vem.
Paulo Nogueira Batista Jr., 42, professor da
Fundação Getúlio Vargas e pesquisador-visitante do Instituto de Estudos Avançados da
Universidade de São Paulo, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail: pnbjr@ibm.net
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|