São Paulo, quinta, 15 de janeiro de 1998.



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OPINIÃO ECONÔMICA
Uma tortuosa divagação

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Estou amargamente arrependido de ter prometido, na semana passada, tratar das alternativas de política cambial. De lá para cá, a crise no leste da Ásia recrudesceu outra vez, com repercussões imediatas sobre a frágil posição brasileira.
Como disse o Elio Gaspari, aqui na Folha, câmbio é feito goteira. Quando chove forte, incomoda, mas ninguém se arrisca a subir no telhado para consertar. Quando pára a chuva, o problema deixa de ser urgente e aí ninguém toma providências.
Mas, como promessa é dívida, vamos lá. Há um aspecto curioso em toda essa discussão. Temos sempre um número apreciável de analistas chapas-brancas dispostos a asseverar que "não há alternativa" à política em vigor. E, no entanto, a política cambial já sofreu várias modificações desde o início do Plano Real.
Não importa. Depois de cada modificação, há sempre um bando de jornalistas e economistas que se prontifica a garantir, em uníssono, que não há como mudar a política cambial.
A verdade é que há uma ampla gama de possibilidades de mudança (aceleração das minidesvalorizações, mididesvalorização, cesta de moedas, flutuação cambial, entre outras). Tão ampla que escapa ao que poderia ser discutido em um artigo como este. E, vocês hão de convir, que anunciar uma série sobre o tema poderia desencadear a fuga da maioria dos meus escassos leitores.
Não é só isso. Depois do artigo da semana passada, o Osiris Lopes me telefonou para comentar as observações sobre a importância da obsessão. Como quase todo obsessivo, o Osiris tem pouquíssima paciência com as obsessões alheias. Segundo ele, no meu caso, passar um bom tempo sem tratar do câmbio, além de poupar os leitores, constitui saudável medida de autoproteção. "Afinal", lembrou ele, "essa obsessão já te rendeu até uma interpelação judicial do Banco Central!"
Mas estou perdendo o fio da meada. O que eu queria dizer, em primeiro lugar, é que poucos, muito poucos dão conta de que as decisões e omissões da política econômica condicionam, às vezes de maneira muito forte, as possibilidades de atuação futura. Sem estabelecer claramente esse ponto, não se consegue nem sequer começar a entender o debate sobre alternativas.
Os dramas atuais da política cambial brasileira não resultam simplesmente dos choques oriundos da Ásia. Estavam inscritos, em alguma medida, na estratégia de política econômica seguida pelo Brasil desde 1994. Os diversos ajustamentos nas políticas cambial, de comércio exterior e de endividamento externo, embora às vezes significativos, não chegaram a produzir uma modificação da estratégia geral. O Brasil continuou fortemente dependente de um ingresso expressivo de capital externo e da estabilidade dos mercados financeiros internacionais.
Com a mudança do quadro internacional, tornou-se evidente o caráter profundamente problemático dessa estratégia.
Mas fica a pergunta: o que fazer? Bem sei que, a essa altura, aumentou muito a quantidade de pessimistas fundamentais. Economistas das mais variadas tendências espalham o desalento à boca pequena. A cada rodada de turbulência asiática, cresce o número de fatalistas, e em cada esquina esbarramos em sujeitos, sentados no meio-fio, chorando as lágrimas de esguicho do Nelson Rodrigues.
Ora, ter opiniões sobre assuntos estritamente metafísicos e misteriosos, como o fatalismo ou o futuro da economia, é mais questão de estado de espírito ou ânimo vital do que qualquer outra coisa.
Mas estou me perdendo do assunto outra vez. Apesar de tudo, há, volto a dizer, várias alternativas defensáveis. O espaço remanescente só permite discutir uma delas: a aceleração das minidesvalorizações. Não é necessariamente a melhor opção, mas tem algumas vantagens.
A vantagem fundamental de uma aceleração das minis é não produzir uma ruptura das regras do jogo, algo sempre mais arriscado em época de instabilidade e incerteza. Uma aceleração do ritmo anual de correção dos atuais 7% para, digamos, 10% ao ano por algum tempo não teria efeito inflacionário significativo e não impediria a taxa de inflação de continuar diminuindo em 1998. Também não perturbaria muito a vida dos devedores em moeda estrangeira.
Por outro lado, como o gradualismo não traria melhora significativa da posição do câmbio real no curto prazo, persistiria a vulnerabilidade externa. Além disso, -e esse é o seu calcanhar-de-aquiles- a aceleração cambial tenderia a tornar mais lenta a queda dos juros. A redução mais lenta seria uma forma de compensar o efeito negativo da aceleração das minis sobre o ingresso de capital externo.
Eis aí um exemplo prático de como as decisões e omissões do passado dificultam a correção dos próprios problemas que elas criam. A valorização cambial do início do plano, nunca corrigida, gerou um desequilíbrio externo que se faz, agora, urgente diminuir. Mas a dependência de recursos externos associada a esse mesmo desequilíbrio dificulta a adoção de medidas que poderiam reduzi-lo.
Dificulta, mas não inviabiliza. Há diversas maneiras de contornar ou amenizar as desvantagens decorrentes de uma aceleração das minis. Por exemplo, para acelerar a redução do déficit externo pode-se intensificar as medidas extracambiais de controle das importações e de estímulo às exportações. O governo já vem fazendo algo nesse sentido, mas a margem de manobra ainda é considerável, a despeito dos compromissos assumidos no âmbito do Mercosul e da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Quanto à taxa de juro, há a possibilidade de diminuir a tributação sobre os rendimentos das aplicações financeiras externas. Tudo o mais constante, essa diminuição permitiria reduzir a taxa de juro interna consistente com o ritmo esperado de desvalorização.
A aceleração das minis ainda daria panos para manga. Mas prometo não voltar ao assunto na semana que vem.


Paulo Nogueira Batista Jr., 42, professor da Fundação Getúlio Vargas e pesquisador-visitante do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail: pnbjr@ibm.net



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