São Paulo, quinta, 15 de janeiro de 1998.



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Reação nas vendas de Natal? Invencionice

ALOYSIO BIONDI

Uma ladainha otimista invadiu os meios de comunicação nos últimos dias de dezembro e primeiros dias de janeiro: "as vendas de Natal superaram as expectativas", "os catastrofistas estavam errados", "as previsões falavam em queda de 20% no faturamento, e ele caiu apenas 6%", "o comércio até enfrentou falta de mercadorias", "a indústria já está suspendendo férias coletivas", lalari, laralá.
O presidente da República e de-formadores de opinião não deixaram por menos: dispararam xingamentos, nos jornais e na TV, contra os "catastrofistas" que previam um Natal magro e haviam sido "derrotados pela realidade". Só que a ladainha é totalmente mentirosa.
Agora, a Federação do Comércio de São Paulo conclui o levantamento sobre as vendas de dezembro. A queda não foi de "apenas" 6%. A queda do faturamento do comércio na Grande São Paulo, na comparação com dezembro de 1996, chegou a nada menos de 11,59% -e, não custa lembrar, o Natal do ano anterior já havia acusado queda de 5% em relação a 1995... Tudo somado, o Natal de 1997 foi uns 20% inferior ao de 1995.
Ah, sim: o levantamento definitivo sobre as vendas de Natal foi divulgado pela federação no começo da tarde de anteontem, terça-feira. De cinco grandes jornais do Rio e de São Paulo, nenhum publicou a informação na primeira página ou, nem mesmo com destaque, em seus cadernos de economia... Resultado: a sociedade continua a acreditar -pois é essa a informação que foi alardeada- que as vendas do Natal "surpreenderam". E as "análises" dos de-formadores de opinião vão continuar com a mesma ladainha. Perde a sociedade, perdem empresários e trabalhadores. Com a mentiralhada, a equipe FHC mantém a falsa sensação de que, apesar dos pesares, a política econômica está no rumo certo.
A escalada - Atenção: nenhum setor teve queda inferior a 10% -à exceção de alimentos, com recuo de 3,5%. O pior desempenho foi do comércio de automóveis, com acachapantes 40% de recuo, mas os produtos semiduráveis (roupas, calçados, tecidos) amargaram 16% de retração, seguidos pelos bens duráveis (eletroeletrônicos, móveis), com 14%. E a "reposição" de estoques? Bom relembrar que, em novembro, o comércio -inclusive supermercados- anunciou que, por cautela, compraria da indústria apenas o equivalente a 60% das encomendas de 1996.
Os brinquedos?
Anunciou-se o "esgotamento" dos estoques de brinquedos em algumas lojas. Balanço final da Associação dos Revendedores de Brinquedos: houve queda de 6% no valor das vendas, em vez do aumento previsto de 7%.
Só dengue?
Os casos de dengue no país chegam a 220 mil, quatro vezes a incidência de 1994. Motivo: retenção de verbas, com liberação de apenas R$ 26 milhões até agosto, contra R$ 206 milhões previstos para o ano. Não é o único caso. Outras moléstias avançam no país, pelo mesmo motivo, como esta coluna procurou alertar há meses.
Mosca, também
No ano passado, o ministro da Agricultura reclamava que a equipe FHC não estava liberando verba para combate à "mosca branca", praga importada que ataca plantações. Agora ela já se alastrou e atinge proporções incontroláveis. Herança da "contenção" de gastos da equipe FHC.
Nova safra?
Disparam os preços do arroz e do milho. Para o arroz o governo reduziu o crédito do Banco do Brasil em 75%, já no plantio da safra de 1997. A produção caiu de 13 milhões para a 10 milhões de toneladas nos anos recentes. Para o milho haverá nova queda no plantio porque os preços deram prejuízos aos produtores no primeiro semestre de 1997. Motivo: falta de apoio do governo, na comercialização. É a "modernização" da agricultura.
Qual apoio?
O governo anuncia que reservou R$ 8,5 bilhões para empréstimos aos agricultores na safra 1997/98. "Até agora foram liberados apenas R$ 3,5 bilhões", diz o presidente da Ocepar, organização das cooperativas de produtores do Paraná.


Aloysio Biondi, 60, é jornalista econômico. Foi editor de Economia da Folha. É diretor-geral do grupo Visão. Escreve às quintas-feiras no caderno Dinheiro.



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