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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Pobre democracia
LUIZ GONZAGA BELLUZZO
Está na praça o debate sobre a
forma de escolha dos ministros
do Supremo Tribunal Federal. Há
quem defenda a indicação por um
colégio de pares, sem interferência
do presidente da República ou do
Congresso Nacional. Ilustres advogados, juízes e membros do Ministério Público emprestariam seu saber para os ritos do recrutamento.
Todos respeitáveis, esses senhores
têm uma característica comum:
não foram escolhidos pelo voto popular e, portanto, sua decisões estão a salvo dos desatinos emanados das urnas.
Os defensores da mudança pretendem expurgar os "critérios políticos" na indicação dos juízes do
Supremo Tribunal Federal. Será
que vão ressuscitar a velhinha de
Taubaté para proferir uma conferência sobre o tema? Eu, por exemplo, preferiria Carl Schmitt. Imagino que essa mente perigosamente
lúcida explicaria aos néscios de todo o gênero a natureza essencialmente política do tribunal supremo. A custódia da Constituição,
diz Carlo Galli, em sua obra monumental sobre o jurista alemão,
não se exercita pela via jurisdicional ordinária.
Não raro, as decisões das cortes
constitucionais, avalia Schmitt,
são vítimas da ilusão formalista
que pretende distinguir as questões
jurídicas das questões políticas. Só
o tecnicismo das burocracias não-eleitas pode excogitar tais enganos
a respeito de suas próprias ambições de poder.
Arranjos entre facções do baronato tecnocrático, no Brasil e em
toda a parte, terminam em graves
prejuízos para os cidadãos. O povo
brasileiro corre o risco de, ainda
uma vez, assistir à mutilação de
sua soberania, surrupiada pela soberba tecnocrática e corporativista, não bastasse a independência
do Banco Central. Diante de tal cometimento, não é despropositado
suspeitar que, no rastro dos militares e dos economistas, estamos
prontos para outra aventura: a ditadura dos jurisconsultos, hoje auto-intitulados "operadores do direito", expressão assustadora.
A transição da ditadura militar
para a democracia foi, por exemplo, negociada por cima. A campanha das diretas começou a ser derrotada dentro da oposição. A intensa mobilização popular não teve forças para vencer as casamatas
do poder real.
A turma que manda não tem o
hábito de dar refresco ao inimigo.
Em suas fileiras abrigavam-se os liberais da democracia restrita e as
burocracias supostamente meritocráticas que só toleram a soberania
popular enquanto o povaréu não
botar as manguinhas de fora. Já
que se trata do Brasil, é prudente
não subestimar as inclinações antidemocráticas dos que trafegam
nas "altas esferas".
A escolha dos juízes do Supremo,
encarregados de defender a Constituição, não pode ser fruto de um
conciliábulo de sábios e especialistas. É prerrogativa dos poderes
eleitos. É óbvio que a escolha deve
respeitar, entre outros critérios, estritos requerimentos de competência jurídica. O Senado pode recusar as indicações do presidente da
República.
A busca de soluções heróicas, destinadas a expurgar as contradições
necessárias da democracia moderna, não raro culmina na restrição
de direitos. Quando partiam para
esses métodos, as ditaduras tinham
pelo menos o mérito da sinceridade. Violavam às claras os direitos
dos cidadãos e não se escondiam
atrás de uma aparência de legalidade.
Luiz Gonzaga Belluzzo, 63, é professor
titular de economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Foi chefe
da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).
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