São Paulo, domingo, 15 de janeiro de 2006

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FINANÇAS

Consumidores tendem a procurar com maior interesse produtos mais caros, contrariando lei da oferta e procura

Teoria do chocolate belga explica valor do dólar

Olivier Hoslet/Reuters
Funcionária trabalha na fabricação de chocolate na Bélgica


PAUL DE GRAUWE
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"

Um ano atrás, a maioria dos analistas concordava em que o único caminho para o dólar era a queda, diante do euro e das demais divisas importantes. Os imensos déficits norte-americanos em conta corrente haviam se tornado insustentáveis e requeriam um grande declínio do dólar. Um ano mais tarde, tornou-se claro que esses analistas estavam errados. O dólar subiu e fechou o ano em alta de 15% diante do euro. O que houve de errado? Permitam-me que eu responda contando uma história sobre o chocolate belga.
Algumas semanas atrás, uma experiência interessante foi conduzida na feira de alimentação de Bruxelas, um evento anual no qual os amantes da gastronomia circulam por entre estandes repletos de todas as iguarias imagináveis. Uma loja foi montada para vender caixas de chocolate belga. No primeiro dia, o preço era de 9 por caixa. As vendas foram boas. No dia seguinte, o preço subiu para 15 por caixa. Com base na teoria econômica, quase todo mundo pensaria que a demanda deveria ter caído, depois do aumento. Não. Na verdade, as vendas dobraram. No terceiro dia, o preço foi reduzido a 2 por caixa, e a demanda pelo chocolate praticamente desapareceu. O que há de errado com a lei da oferta e procura?

Psicologia
A explicação cabe aos psicólogos. É muito difícil, se não impossível, para um consumidor determinar a qualidade do chocolate simplesmente com base na aparência que apresenta dentro da caixa. Quando as pessoas enfrentam esse tipo de dúvida sobre o valor intrínseco das coisas, elas recorrem a regras simples e comprovadas de comportamento. Os psicólogos usam o nome "heurística" para esse processo. No caso dos chocolates, o preço serve como regra.
A maioria dos consumidores tem alguma experiência de compras, que permite que associem alto preço e alta qualidade. Não é uma tendência universal, ou uniforme, mas pode-se considerá-la aplicável, em termos médios. Assim, quando vêem uma caixa de chocolate de 15, os consumidores inferem que o preço elevado reflete alta qualidade e compram o chocolate. Quando os consumidores vêem a mesma caixa vendida a 2, inferem que não se pode confiar na qualidade do produto e não compram o chocolate. A lei da oferta e procura vira de cabeça para baixo nesse caso.
Retornemos ao dólar, agora. A maior parte das pessoas que operam no mercado internacional de câmbio não tem idéia quanto ao valor fundamental do dólar (a "qualidade" do dólar). Os especialistas e professores tampouco sabem qual seja, pelo menos não melhor do que uma faixa de flutuação ampla que estima o valor do dólar entre US$ 1 e US$ 1,30 com relação ao euro. Para cada especialista que nos diz que o valor fundamental do dólar é de cerca de US$ 1,30 por euro, há um segundo especialista que tem certeza de que o valor fundamental é de cerca de US$ 1 por euro. Qualquer valor entre esses dois extremos tende a ser considerado aceitável. Diante desse tipo de incerteza, os operadores de dólares e euros não têm como determinar o valor "correto". Portanto, usam o bom senso, uma referência simples com a qual estão acostumados. Assim, quando o dólar sobe por motivos técnicos, ou até mesmo por acaso, a alta na moeda norte-americana sinaliza para os operadores que algum fator econômico oculto provavelmente está causando a alta. E eles compram dólares como os devotos do chocolate belga que compram bombons quando os preços são mais altos. Na ponta oposta, quando o dólar cai por qualquer motivo, as pessoas interpretam seu declínio como reflexo de uma fraqueza fundamental na moeda norte-americana e acabam vendendo dólares.
Como resultado desse mecanismo, o dólar sobe e desce entre limites superiores e inferiores determinados pela nossa falta de conhecimento sobre o valor fundamental da moeda. Os movimentos podem ou não podem ter sido causados por mudanças de variáveis (como o saldo da conta corrente nacional) que influenciam o valor fundamental do dólar.

Abrir e experimentar
Mas existe uma diferença entre o dólar e o chocolate belga, no entanto. O devoto do chocolate belga que compra uma caixa de bombons caros pode verificar a qualidade imediatamente: basta abrir a caixa e experimentar. O comprador de dólares não tem a mesma facilidade. Mas precisa justificar sua compra, assumir que agiu corretamente. E é para isso que servem os analistas.
O analista, que não sabe mais sobre o valor fundamental do dólar do que qualquer comprador inocente, inventa histórias. Assim, quando o dólar sobe, o analista procura variáveis que se tenham movido na direção certa e que possam ser vinculadas à alta do dólar, cuidadosamente eliminando de sua análise todas as demais variáveis fundamentais que se movem na direção errada. E, assim, somos informados de que a força do dólar no ano passado se deve a diferenciais favoráveis aos dólares nas taxas de juros. A ampliação ainda maior do déficit em conta corrente, que em análises anteriores era a peça central do raciocínio, agora é desconsiderada completamente.
A história honesta quanto à alta do dólar no ano passado é que simplesmente não sabemos o motivo. Mas não gostamos de admitir que não sabemos. Nossa psique tem horror das trevas da ignorância. É por isso que os serviços dos analistas continuam em demanda. Eles satisfazem a necessidade psicológica que temos de compreender. Os economistas especializados em câmbio satisfazem essa necessidade, hoje em dia, contando uma história nova sempre que o dólar sobe ou desce.
O que isso nos permite saber sobre o ano que vem? Vocês talvez estejam concluindo, a esta altura, que o tom cético da coluna não me deixa muito escopo para afirmar algo de útil. Mas eu acredito que a força cumulativa do déficit dos Estados Unidos em conta corrente e de seu déficit público será esmagadora, derrubando o dólar. Só não me perguntem quando.

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