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ARQUITETURA
Custo e lucro limitam criatividade de arquitetos e pasteurizam os estilos que marcam o horizonte paulistano
Lógica de mercado padroniza arquitetura
DANIELE SIQUEIRA
JOANA CUNHA
DA REPORTAGEM LOCAL
Redução de custos, margem de
lucro e pesquisas de mercado são
elementos que definem os prédios residenciais construídos em
São Paulo. O resultado dessa lógica empresarial é que as fachadas
de muitos edifícios da maior cidade brasileira parecem saídas de
uma linha de montagem. A maioria dos 34 especialistas ouvidos
pela Folha afirma que causas econômicas se sobrepõem a fatores
estéticos na definição dos empreendimentos imobiliários.
Para Regina Monteiro, arquiteta
e urbanista da Emurb (Empresa
Municipal de Urbanização) e conselheira do Movimento Defenda São Paulo, as incorporadoras, donas dos empreendimentos, não
estão preocupadas
com fachada. Segundo ela, o que as
empresas querem é
aumentar os lucros,
com a construção da
maior área possível.
"A incorporação
quer o máximo que
o terreno pode dar."
"Fazemos conta
até a décima casa depois da vírgula, para
otimizar espaço e
aproveitar o terreno.
Nem sempre lançamos o produto que
consideramos ideal.
Muitos são baseados
em custo", diz Romeu Busarello, professor de marketing
da ESPM (Escola
Superior de Propaganda e Marketing)
e diretor da incorporadora Tecnisa.
De acordo com o
incorporador Antonio Setin, a margem
de lucro, hoje, gira
em torno de 10%,
contra 50% há 20
anos, devido ao aumento da concorrência. "Estudamos
todos os detalhes,
para afinar o orçamento, porque sabemos que um erro
de 1% na obra é 1% a
menos no nosso
parco resultado."
Para conquistar os
clientes, incorporadoras e imobiliárias
fazem pesquisas para detectar que tipo
de prédio eles querem. Em alguns casos, elas apresentam
opções de fachada.
"Quando fazemos
pesquisa, apresentamos as fachadas e, pela sensação
do cliente, conseguimos determinar a cara do prédio", diz Marcelo
Badian, diretor comercial da incorporadora Rossi.
"Todo mundo quer a fachada
pintada de ouro e depois vai ver o
que cabe no bolso. Fachada também é custo. Nós temos que dosar
o gosto do público com o custo",
diz Guilherme França, diretor comercial da incorporadora Setin.
De acordo com Miguel Pereira,
arquiteto e professor do departamento de projetos da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da USP), o problema começa justamente aí, na pesquisa. "A população não sabe o que é estilo. Isso é
um debate estético que precisa de
bagagem cultural sólida."
Baseados em pesquisas com
clientes, tipo e localização do terreno, normas da prefeitura e retorno financeiro, a incorporadora
define o prédio. Nessa fase, um arquiteto elabora estudos para a decisão do que será construído. "Escolhemos o arquiteto que melhor
se adapta ao tipo de produto que
queremos", diz Marcelo Badian,
da Rossi. "O preço, claro, é uma
questão de negociação, mas não é
o principal", afirma Maristella
Val, gerente de desenvolvimento
imobiliário da Fal 2. Ela ressalta
que, para a incorporadora, o importante
na escolha do arquiteto é o bom relacionamento com a empresa.
Para Beatriz Bueno, professora de
história da arquitetura da FAU-USP, os
escolhidos são os arquitetos mais "rendidos ao mercado".
"Não é questão de
preço. Nem sempre
o arquiteto bom é
mais caro. Mas ele
coloca obstáculos."
Segundo Rosane
Riani, gerente de desenvolvimento de
produto da incorporadora Cyrela, os arquitetos mais renomados até tentam
cobrar mais caro,
mas não conseguem
porque o mercado
nivela os preços. "O
custo do projeto é
mais ou menos padrão", diz o incorporador Antonio Setin.
Durante a elaboração do projeto, o arquiteto propõe alterações, mas a palavra
final é da incorporadora. "O arquiteto
tem que ousar. Eu
ouço, mas muitas vezes eu ouso. Quando
deixam, a gente inventa", diz Itamar
Berezin, um dos arquitetos mais requisitados pelas incorporadoras. Roberto
Candusso, que atua
como arquiteto há 29
anos, diz que procura diferenciar os seus
projetos, mas reconhece que às vezes é
preciso ceder. "Meu
escritório é um escritório aberto, eu tenho que prestar
atenção ao que o
meu cliente pede, e
tem muitos que exigem que seja assim."
Segundo Joaquim Guedes, arquiteto e professor da FAU-USP,
"o mercado tem um poder enorme" porque "controla o sistema
de produção arquitetônica". A
professora Beatriz Bueno diz que,
se o consumidor tivesse "formação", seria menos suscetível ao
marketing imobiliário.
Das dez incorporadoras mais
atuantes em São Paulo, só a Redevco se negou a atender a Folha.
Além dessas dez, Tecnisa, Even e
Adolpho Lindenberg também foram ouvidas.
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