São Paulo, domingo, 15 de janeiro de 2006

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ARQUITETURA

Custo e lucro limitam criatividade de arquitetos e pasteurizam os estilos que marcam o horizonte paulistano

Lógica de mercado padroniza arquitetura

DANIELE SIQUEIRA
JOANA CUNHA
DA REPORTAGEM LOCAL

Redução de custos, margem de lucro e pesquisas de mercado são elementos que definem os prédios residenciais construídos em São Paulo. O resultado dessa lógica empresarial é que as fachadas de muitos edifícios da maior cidade brasileira parecem saídas de uma linha de montagem. A maioria dos 34 especialistas ouvidos pela Folha afirma que causas econômicas se sobrepõem a fatores estéticos na definição dos empreendimentos imobiliários.
Para Regina Monteiro, arquiteta e urbanista da Emurb (Empresa Municipal de Urbanização) e conselheira do Movimento Defenda São Paulo, as incorporadoras, donas dos empreendimentos, não estão preocupadas com fachada. Segundo ela, o que as empresas querem é aumentar os lucros, com a construção da maior área possível. "A incorporação quer o máximo que o terreno pode dar."
"Fazemos conta até a décima casa depois da vírgula, para otimizar espaço e aproveitar o terreno. Nem sempre lançamos o produto que consideramos ideal. Muitos são baseados em custo", diz Romeu Busarello, professor de marketing da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) e diretor da incorporadora Tecnisa.
De acordo com o incorporador Antonio Setin, a margem de lucro, hoje, gira em torno de 10%, contra 50% há 20 anos, devido ao aumento da concorrência. "Estudamos todos os detalhes, para afinar o orçamento, porque sabemos que um erro de 1% na obra é 1% a menos no nosso parco resultado."
Para conquistar os clientes, incorporadoras e imobiliárias fazem pesquisas para detectar que tipo de prédio eles querem. Em alguns casos, elas apresentam opções de fachada. "Quando fazemos pesquisa, apresentamos as fachadas e, pela sensação do cliente, conseguimos determinar a cara do prédio", diz Marcelo Badian, diretor comercial da incorporadora Rossi.
"Todo mundo quer a fachada pintada de ouro e depois vai ver o que cabe no bolso. Fachada também é custo. Nós temos que dosar o gosto do público com o custo", diz Guilherme França, diretor comercial da incorporadora Setin.
De acordo com Miguel Pereira, arquiteto e professor do departamento de projetos da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP), o problema começa justamente aí, na pesquisa. "A população não sabe o que é estilo. Isso é um debate estético que precisa de bagagem cultural sólida."
Baseados em pesquisas com clientes, tipo e localização do terreno, normas da prefeitura e retorno financeiro, a incorporadora define o prédio. Nessa fase, um arquiteto elabora estudos para a decisão do que será construído. "Escolhemos o arquiteto que melhor se adapta ao tipo de produto que queremos", diz Marcelo Badian, da Rossi. "O preço, claro, é uma questão de negociação, mas não é o principal", afirma Maristella Val, gerente de desenvolvimento imobiliário da Fal 2. Ela ressalta que, para a incorporadora, o importante na escolha do arquiteto é o bom relacionamento com a empresa.
Para Beatriz Bueno, professora de história da arquitetura da FAU-USP, os escolhidos são os arquitetos mais "rendidos ao mercado". "Não é questão de preço. Nem sempre o arquiteto bom é mais caro. Mas ele coloca obstáculos."
Segundo Rosane Riani, gerente de desenvolvimento de produto da incorporadora Cyrela, os arquitetos mais renomados até tentam cobrar mais caro, mas não conseguem porque o mercado nivela os preços. "O custo do projeto é mais ou menos padrão", diz o incorporador Antonio Setin.
Durante a elaboração do projeto, o arquiteto propõe alterações, mas a palavra final é da incorporadora. "O arquiteto tem que ousar. Eu ouço, mas muitas vezes eu ouso. Quando deixam, a gente inventa", diz Itamar Berezin, um dos arquitetos mais requisitados pelas incorporadoras. Roberto Candusso, que atua como arquiteto há 29 anos, diz que procura diferenciar os seus projetos, mas reconhece que às vezes é preciso ceder. "Meu escritório é um escritório aberto, eu tenho que prestar atenção ao que o meu cliente pede, e tem muitos que exigem que seja assim."
Segundo Joaquim Guedes, arquiteto e professor da FAU-USP, "o mercado tem um poder enorme" porque "controla o sistema de produção arquitetônica". A professora Beatriz Bueno diz que, se o consumidor tivesse "formação", seria menos suscetível ao marketing imobiliário.
Das dez incorporadoras mais atuantes em São Paulo, só a Redevco se negou a atender a Folha. Além dessas dez, Tecnisa, Even e Adolpho Lindenberg também foram ouvidas.

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