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LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
História da corrupção e ineficiência
O Brasil é deixado para trás na corrida do desenvolvimento porque lhe falta estratégia nacional de competição
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O BRASIL não está quase estagnado desde 1991 porque a taxa de juros é alta e a taxa de câmbio não é competitiva. A ortodoxia convencional tem uma tese que
atrai nossa classe média porque parece coerente com eventos recentes
na política brasileira: a culpa do baixo crescimento é da carga tributária
excessiva; e a culpa dessa é dos políticos, que são populistas e corruptos,
e dos burocratas, que são ineficientes. Ou, em outras palavras, a culpa é
do Estado e de seus agentes!
Maravilhosa teoria. Mantra do
pensamento hegemônico desde que
se tornou dominante no Brasil, no
segundo semestre de 1991, repetida
agora pelo FMI em um estudo de dezembro de 2006 buscando desvendar o "quebra-cabeça" da falta de
crescimento. Embora esteja no título do estudo, não há quebra-cabeça
para eles: o que falta são reformas
para acabar com a corrupção e a ineficiência. E também não há para
quem percebe a natureza competitiva da globalização: com histórias
desse tipo, mantêm-se os juros e o
câmbio em um nível incompatível
com o crescimento -o que muito interessa aos concorrentes do Brasil.
O movimento de classe média
"Quero mais Brasil" tem como lema:
"Menos impostos, mais cuidado
com o gasto público, mais investimento nos brasileiros, menos corrupção". De fato, a carga tributária é
alta no Brasil e, ao lado do câmbio e
dos juros, é um empecilho real ao
desenvolvimento. Mas é alta porque
os juros pagos pelo governo, que giravam em torno de 1% nos início dos
anos 90, correspondem hoje a 8%. E
porque, na transição democrática,
os brasileiros se comprometeram a
aumentar o gasto social em educação, saúde e assistência social, e isso
foi feito: o aumento foi de quase dez
pontos percentuais do PIB. Esse aumento de gastos certamente não foi
feito de forma eficiente -por isso é
tão importante a Reforma da Gestão
Pública, de 1995-, mas não o foi de
forma mais ineficiente do que em
outros países de renda semelhante.
O aumento do gasto social produziu
resultados: nos últimos 22 anos, o
analfabetismo foi reduzido em quase um terço, a taxa de mortalidade
baixou para menos da metade, a esperança de vida aumentou oito
anos, a pobreza diminuiu.
A estratégia para reduzir os juros e
tornar o câmbio competitivo (compatível com o desenvolvimento de
atividades com alto valor agregado
per capita) implica um forte ajuste
fiscal, que permitirá reduzir a carga
tributária, mas essa diminuição será
limitada. Dado o caráter regressivo
do sistema tributário brasileiro, baseado em impostos indiretos, quem
paga mais impostos no Brasil são os
pobres, que, assim, financiam eles
próprios seu salário indireto representado pelo gasto social.
Mas e a corrupção? Não é pior no
Brasil do que nos outros países de
igual nível de desenvolvimento. O
custo da corrupção em que se envolveram o PT e outros partidos em
2005 foi altíssimo do ponto de vista
moral e político, mas representou
nada do ponto de vista econômico.
Esses acontecimentos atingiram
uma minoria. Acusar indiscriminadamente os políticos brasileiros de
corruptos e os altos servidores do
Estado de incapazes é um absurdo
que nos desmoraliza.
O Brasil está sendo deixado para
trás na corrida do desenvolvimento
porque lhe falta uma estratégia nacional de competição. Nos anos
1980, essa estratégia entrou em crise; em 1991, foi abandonada. Poderá
ressurgir, mas, para a ortodoxia convencional, que representa os interesses dos países ricos, não há melhor forma de neutralizar a capacidade de crescimento do país do que dividir os três grupos-chave na formação de qualquer coalizão política nacional: os empresários, os trabalhadores e os políticos e altos burocratas do Estado. Transformando os
últimos nos "verdadeiros culpados"
da quase estagnação, a ortodoxia
convencional usa uma velha estratégia: dividir para governar. Já há sinais, porém, de que a classe média,
na qual se inclui a maioria dos empresários, está deixando de acreditar nesse diagnóstico. É uma questão de tempo para descobrir que está sendo enganada.
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 72, professor emérito
da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda, da
Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia, é autor de
"As Revoluções Utópicas dos Anos 60".
Internet: www.bresserpereira.org.br
lcbresser uol.com.br
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