São Paulo, sexta, 15 de janeiro de 1999

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LUÍS NASSIF

O homem só

Para a superação da crise, é fundamental que se rompa o isolamento a que FHC se impôs, após as mortes de Luiz Eduardo Magalhães e de Sérgio Motta. O presidente é um homem só, imobilizado pelo estresse decorrente do conjunto de problemas que precisa administrar simultaneamente.
Especialmente a doença e morte de Sérgio Motta tiraram- lhe o eixo. Motta tinha papel agregador importante, junto ao círculo de amigos e aliados do presidente. Era ele quem permanentemente alertava FHC para as ações visando manter a coesão do grupo e tomava as iniciativas em lugar do chefe.
Mesmo antes de sua morte, a influência de Motta sobre FHC reduzira-se substancialmente. Aparentemente o chamamento permanente à ação incomodava FHC. Em vez disso, o presidente optou por uma linha de alianças políticas, procurando privilegiar os críticos potencialmente mais ferozes. Criou um ministério onde ele próprio era um estranho no ninho. Aliados e amigos de primeira hora sentiram-se desprestigiados e passaram a abandonar o barco. O presidente se isolou cada vez mais dentro do seu próprio governo, e seu círculo íntimo reduziu-se ao mínimo. Colocou na linha de frente o chefe da Casa Civil, Clóvis Carvalho, para administrar os conflitos com os ministros e praticamente isolou-se do ministério.
Foi só a partir da crise da Ásia, em fins de 1997, que começou a se esboçar um novo grupo, constituído pelos irmãos Mendonça de Barros e por André Lara Rezende, capaz de romper com o isolamento e o imobilismo de FHC. Esse grupo trabalhava a flexibilização da política cambial.

O plano cambial
Conforme o "Guia Financeiro" antecipou em março do ano passado, a estratégia estava sendo montada para logo após as eleições, dependendo da ocorrência de uma série de fatores positivos. O primeiro, a força política conferida pela vitória no primeiro turno. O segundo, um bom volume de reservas cambiais. O terceiro, um ambiente internacional mais favorável. A fórmula, sugerida inicialmente por Edmar Bacha, consistia em abrir o teto da banda cambial, quatro dias após as eleições, permitindo ao câmbio deslizar até ele.
O avanço de Lula nas pesquisas, em meados do ano, assustou um pouco os formuladores do plano. Logo depois FHC recobrou o favoritismo, mas, a esta altura, a moratória russa mudara completamente o mercado internacional.
Mesmo assim, o grupo insistiu que não se poderia fugir à flexibilização cambial por muito tempo. Nas discussões internas, havia a resistência pesada de Gustavo Franco às mudanças cambiais, e de Chico Lopes, à redução dos juros. A posição de Luiz Carlos Mendonça de Barros era centralizar o câmbio antes que as reservas se esvaíssem.
Acabou se chegando a um acordo, que resultou numa segunda linha estratégica. No curto prazo, tratar-se-ia de obter o mais rapidamente acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), garantindo o colchão de liquidez necessário para repor as reservas.
Ao mesmo tempo, se avançaria na proposta de ajuste fiscal que permitisse ao FMI sair de sua ortodoxia e acelerar os repasses e que recuperasse a imagem do país no mercado internacional. Nesse ínterim, seria constituído o Ministério da Produção, conferindo um desenho mais orgânico ao grupo.
Na discussão do plano, as arestas foram sendo gradativamente aparadas e tinha-se o desenho certo de uma equipe ampliada e enriquecida por novos membros.
A idéia era esperar a troca de governo, provavelmente a substituição de Gustavo Franco por Chico Lopes, no BC, e lá para fevereiro ou março proceder à flexibilização cambial.

Arrasado
O episódio do "grampo telefônico" provocou a demissão do grupo, desmontou a estratégia e arrasou psicologicamente com FHC. Em dezembro via-se um presidente completamente isolado, queixando-se dos amigos que o abandonaram e tentando atrai-los novamente para o governo.
Interlocutores seus no período assustaram-se com o que julgavam a incapacidade do presidente de entender o agravamento do quadro econômico. Amigos próximos chegaram a ser duros com ele na descrição do quadro econômico. Mas a tudo FHC respondia com uma visão inexplicavelmente otimista da crise.
A recomposição da governabilidade passa, agora, pela capacidade do presidente de remontar não apenas seu núcleo de aliança, em outras bases, mas também seu núcleo de amigos. E, do lado dos governadores, a articulação coesa, levando em conta de que são co-síndicos do condomínio Brasil.
Agora que os fatos romperam com a inércia da política cambial, e que se tem um período duro pela frente, o momento é de coesão em torno do país, mesmo da parte daqueles que não gostam de FHC. O que está em jogo não é apenas o destino de FHC, mas a segurança do país.
O segundo governo FHC ainda está por começar.



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