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São Paulo, sábado, 15 de fevereiro de 2003

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PROTECIONISMO

Para chanceler, a boa oferta dos EUA foi para os países do Caribe e da América Central; a ruim, para o Mercosul

"Essa Alca não se vende", diz Brasil aos EUA

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A TÓQUIO

"Assim não dá para vender a Alca no Brasil."
Foi essa a primeira resposta oficial do governo brasileiro à oferta norte-americana de liberalização comercial no âmbito da Área de Livre Comércio das Américas, apresentada na terça-feira.
A frase foi pronunciada pelo chanceler Celso Amorim diretamente para Robert Zoellick, chefe do United States Trade Representative, uma espécie de Ministério de Comércio Exterior dos EUA.
Amorim queixou-se, em especial, do que chama de "segmentação" proposta pelos norte-americanos: a oferta melhor foi para os países do Caribe e da América Central e, "a pior, para o Mercosul", na avaliação do chanceler.
"Ou bem se está falando de uma Área de Livre Comércio das Américas ou bem se está falando de vários acordos segmentados", atacou Amorim. Mais: "Para negociar com a América Latina, não precisa de Alca".
Apesar das críticas, até certo ponto duras, o chanceler fez todo o equilibrismo verbal para não transformar a divergência "em uma questão de estridência". Propôs até "baixar o tom acrimonioso" que ele viu em comentários nos jornais (alguns deles, aliás, feitos por subordinados de Amorim).
A tentativa de equilibrar a crítica com uma "estridência" reduzida reflete a armadilha colocada para o Brasil pelas negociações da Alca.
A armadilha funciona assim: o Brasil "tem muito interesse no mercado norte-americano", como diz o ministro, o que é, de resto, óbvio, por se tratar do maior mercado do mundo.
O Brasil teme, também, perder as vantagens comerciais de que hoje goza nos países latino-americanos, quando elas forem estendidas aos Estados Unidos, cuja produção é muito mais competitiva.
Mas, ao mesmo tempo, o governo precisa de uma oferta norte-americana mais suculenta, sob pena de "tornar difícil a articulação necessária para que o Brasil apresente uma proposta significativa", sempre segundo Amorim.
É uma alusão às restrições que setores do PT e do movimento social ligado ao partido fazem à negociação da Alca, que o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva já chegou a considerar uma "anexação" do Brasil pelos EUA.

A Alca vale a pena
Como a proposta norte-americana foi considerada tímida, a brasileira será ainda mais: em princípio, apenas 36% do que o Brasil importa dos parceiros da Alca (excluídos os do Mercosul, que farão proposta conjunta com o Brasil) serão liberalizados em um prazo de dez anos.
Os EUA ofereceram eliminar a tarifa de importação para cerca de 65% das importações de bens de consumo e produtos industrializados e 56% das importações agrícolas.
A proposta brasileira já está pronta, mas precisa ser compatibilizada com os sócios do Mercosul, para ser apresentada na semana que vem.
De todo modo, Amorim fez questão de lembrar que tanto a oferta norte-americana como a brasileira são um primeiro momento da negociação, cujo prazo encerrou-se ontem.
A partir dele, abre-se uma nova etapa que é a de pedidos de melhora das ofertas feitas, culminando em julho com a apresentação das propostas já revistas.
Até lá, Amorim e Zoellick terão um novo encontro, já agendado para o início de maio. Vão discutir, na versão do chanceler brasileiro, "se a Alca vale a pena, que Alca vale a pena e como chegar a essa Alca".
Nessa discussão, entrará, obviamente, um segundo ponto da crítica brasileira à oferta norte-americana: o fato de que ela trata apenas de tarifas, quando as principais barreiras aos produtos brasileiros nos Estados Unidos são não-tarifárias (antidumping, subsídios internos, cotas e restrições fitossanitárias, entre outras).
A eliminação dos subsídios à agricultura, principal reivindicação do Brasil nas negociações comerciais em que está envolvido, só terá mesmo algum tipo de evolução no âmbito da OMC (Organização Mundial do Comércio).


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