São Paulo, domingo, 15 de fevereiro de 2004

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RISCO

Analistas já falam na formação de bolha no mercado de títulos de países em desenvolvimento e recomendam cautela

Emissão de emergentes foi recorde em 2003

ÉRICA FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL

Empresas, bancos e governos de países emergentes conseguiram, por meio de emissões de dívida externa, expressivos US$ 216,8 bilhões em 2003. Dados levantados pela consultoria Thomson Financial, a pedido da Folha, revelam que o volume é o maior registrado anualmente em uma série iniciada em 1997.
Nos últimos meses, essa tendência tem se acentuado. No mês passado, por exemplo, o total de emissões de bônus por esses mercados foi de US$ 25 bilhões, também o melhor desempenho para o mês de janeiro na série.
Esse resultado já motiva alguns analistas a usar a temida palavra "bolha"- alta excessiva sem base em fundamentos sólidos- para descrever o movimento.
"Há uma bolha em formação nesse mercado, provocada pelo excesso de recursos de investidores dispostos a assumir mais riscos por conta das baixas taxas de juros nos países desenvolvidos", diz o economista David Anthony, diretor da Economist Intelligence Unit (EIU), prestigiado centro de pesquisa britânico.
Embora as condições econômicas dos países emergentes tenham melhorado nos últimos anos, a base de comparação para o boom recente de captações assusta alguns analistas. Os volumes atuais são comparáveis aos registrados antes do estouro da crise da Ásia, em agosto de 1997.
Na época, um período de forte fluxo positivo de recursos foi sucedido por uma fuga de investidores, que, repentinamente, se deram conta das enormes fragilidades econômicas e institucionais dos países da região, detonando uma crise financeira que contaminou os demais emergentes.
Hoje, as duas principais dúvidas são: o que pode motivar a reversão dessa forte entrada de recursos nos países em desenvolvimento e, sobretudo, quais seriam os impactos da mesma. Já a certeza predominante entre analistas é que, mais cedo ou mais tarde, essa inversão de tendência virá.

Gatilhos
Na opinião de Anthony, uma eventual crise em algum país emergente ou o esperado início da elevação da taxa de juros nos Estados Unidos podem ser os gatilhos de uma mudança no atual panorama dos movimentos de capitais globais.
Questionado sobre a possibilidade do estouro de uma crise em algum território dito emergente, o economista da EIU diz: "Sempre há algum risco. Agora, nós estamos um pouco preocupados, por exemplo, com problemas do sistema bancário da Coréia do Sul".
Predomina entre analistas, no entanto, a expectativa de que o provável é que os investidores só reduzam sua exposição a países emergentes quando começar o movimento de alta de juros nos EUA. Discurso de Alan Greenspan, presidente do Fed (Federal Reserve, o banco central norte-americano), denotou que o processo de início da alta ainda deverá tardar um pouco.
Isso trouxe alívio aos analistas de mercados que, há duas semanas, haviam concluído o contrário de um comunicado do Fed, o que provocou uma reviravolta nos fluxos de recursos para emergentes. O risco-país -medida da diferença entre os juros cobrados de governos de países em desenvolvimento e os pagos pelos EUA- do Brasil chegou a subir de cerca de 430 pontos para quase 600 pontos em poucos dias.
O movimento, generalizado entre países emergentes, indicou os possíveis estragos de uma elevação de juros pelo Fed.
Na percepção de alguns analistas, o problema maior é que o forte fluxo de dinheiro captado por empresas, bancos e governos emergentes nos últimos meses fez as taxas de juros de seus títulos recuarem mais do que o valor justo, de acordo com os fundamentos de suas economias.
Ninguém se arrisca a dizer quanto seria esse valor justo. Mas a queda do Embi+, índice dos riscos de países emergentes calculado pelo JP Morgan, de 750 pontos, no fim de 2002, para o atual patamar de 430 pontos é vista como excessiva. Os recuos nos riscos dos países variaram de 50% a 60% no mesmo período.
A expectativa, baseada no recente discurso de Greenspan, é que um ajuste mais forte só ocorrerá em 2005. Mas analistas já se esforçam para tentar avaliar quais serão as conseqüências econômicas desse movimento.
A conclusão é que tudo dependerá da velocidade da alta de juros lá fora -quanto maior, pior- e das particularidades de cada país.

Lado bom
Segundo Carlos Geraldo Langoni, diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getúlio Vargas (FGV), muitos mercados emergentes contabilizaram melhoras nos seus fundamentos econômicos nos últimos anos.
"A maioria dos países tem hoje, por exemplo, câmbio flutuante", afirma o economista, ex-presidente do Banco Central.
Esse regime permite que fortes saídas de recursos se traduzam em um câmbio mais desvalorizada e em um aumento das exportações que, em parte, compensam a sangria financeira. O problema é que ajustes desse tipo não costumam parar por aí. Câmbio mais desvalorizado pode ser sinônimo de inflação, alta de juros e ameaça ao crescimento.
Para as empresas, os maiores riscos são dificuldades para ter acesso a novos créditos a fim de poder pagar as dívidas contraídas e tocar os projetos iniciados.

Com cautela
Segundo Drausio Giacomelli, do JP Morgan, ainda que arriscado, o boom das emissões é praticamente inevitável:
"É natural que os países se aproveitem para emitir papéis a juros mais baixos em períodos de grande liquidez", afirma.
Mas analistas recomendam hoje um pouco mais de cautela a governos e empresas ao recorrer ao mercado externo para que os custos do ajuste lá na frente não sejam tão altos.
"Ainda que em níveis diferentes, a grande maioria dos países emergentes ainda apresenta muitas vulnerabilidades, o que potencializa o custo de possíveis ajustes no balanço de pagamentos. Acho que o ideal é que esses países comecem a recorrer ao mercado com mais cautela", diz Anthony.



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