São Paulo, domingo, 15 de fevereiro de 2004

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LUÍS NASSIF

O verdadeiro Zé Carioca

Uma das preciosidades que tenho em minha coleção de discos é um LP, acho que do início dos anos 80, com gravações originais de 1931 do grande João Pernambuco -um dos pais do violão brasileiro- acompanhado por Zé Carioca ao violão, ou Zezinho do Banjo, como era conhecido então.
A baixaria de Zezinho, no acompanhamento, era da maior competência, especialmente no clássico "Interrogando". No entanto tornou-se internacionalmente conhecido por volta de 1940, por ter dado a voz ao personagem Zé Carioca, criado por Walt Disney com a ajuda dos cartunistas Luiz Sá e J. Carlos.
Na semana passada, no dia 11, foi o centenário de nascimento de Zezinho. Nascido em Jundiaí, começou como classificador de cobras do Instituto Butantan, até se decidir pela música.
Valho-me, nesta coluna, da competentíssima biografia de Zezinho, escrita para o site Samba-Choro pelo pesquisador Jorge Carvalho de Mello.
José Patrocínio de Oliveira, seu nome de batismo, era um multiinstrumentista, que começou a carreira em São Paulo. Fez parte de uma geração histórica de instrumentistas paulistas, composta por Américo Jacomino, o Canhoto, Armandinho das Neves e João Sampaio. Tocava banjo, cavaquinho, violão, violão tenor e até a abominável guitarra havaiana.
Em março de 1928, Canhoto organizou uma orquestra típica de cordas para um salão do automóvel da General Motors no Cine Odeon. Participavam da orquestra Armandinho, João Sampaio, Mota, Carlinhos, nosso Zezinho e um menino franzino de apenas 12 anos, de nome Aníbal Augusto Sardinha, que passou a ser conhecido desde então como Garoto do Banjo. Não é coincidência que, anos depois, Garoto, um dos mais importantes instrumentistas brasileiros do século 20, surgisse tocando a mesma gama de instrumentos.
De 1929 a 1931, Zezinho participou de 120 gravações pela gravadora Columbia. São desse período as dez gravações com João Pernambuco, outras dez com Paragaçu, com Jaime Redondo, Januário de Oliveira (personagem que merece ser redescoberto), Jararaca, entre outros.
Em 1931, o jornal "A Gazeta" promoveu um concurso por voto direto dos melhores instrumentistas paulistas. Zezinho venceu na categoria banjo, com 117.323 votos. Em sexto lugar ficou Garoto, ainda menino, com 9.746. Segundo o levantamento de Mello, os demais vencedores foram Gaó ao piano, Alberto Marino (autor da melodia de "Rapaziada do Braz") ao violino, Nabor Pires Camargo ao clarinete, entre outros.
Em 1933, Zezinho seguiu para o Rio, onde foi integrar o cast da rádio Mayrink Veiga, levado por César Ladeira, que funcionava como uma espécie de embaixador da música paulista no Rio. Mello traz uma informação preciosa. Em 1936, com Garoto, Nestor Amaral e Laurindo de Almeida, Zé Carioca participou de uma turnê que passou por várias capitais européias. Em Paris, o grupo assistiu a uma apresentação do violinista Stephan Grapelli e o guitarrista belgo Django Reinhardt, episódio fundamental para a modelagem do futuro estilo de Garoto.
Zezinho volta a São Paulo, incorpora-se novamente ao mundo musical paulista -do qual resta vivo ainda o violonista Antonio Rago- e, depois, entra para a orquestra de Romeu Silva, o primeiro "band leader" brasileiro a excursionar pelo mundo.
Foi com a orquestra para uma apresentação nos EUA, onde reencontrou Garoto, que extasiava os norte-americanos solando violão tenor nos shows de Carmen Miranda. Garoto voltou, Zezinho ficou e acabou se incorporando ao Bando da Lua -o conjunto liderado por Aloysio Oliveira, que acompanhava a cantora. Quando Disney criou Zé Carioca, por volta de 1943, descobriu por acaso o modo de valor de Zezinho do Banjo, que passa a emprestar sua voz para o personagem. Foi a voz do bicho em "Alô, Amigos" e "Você já foi à Bahia?".
Segundo Mello, Zé Carioca tem um filho nos Estados Unidos com um amplo acervo sobre as obras.
Está mais que na hora de criar uma Academia Brasileira da Música, para guardar a memória e a arte dos que ajudaram a criar a melhor música popular do planeta.


E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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