São Paulo, domingo, 15 de fevereiro de 2004

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COMÉRCIO EXTERIOR

Ministro afirma que irá à nova reunião em Puebla disposto a não fazer concessões que possam prejudicar o país

Ceder na Alca é hipotecar futuro, diz Amorim

Bruno Stuckert - 08.jan.04/Folha Imagem
O chanceler Celso Amorim, que participará de reunião da Alca


CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

O governo brasileiro irá à nova reunião da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), no início de março, disposto a não fazer concessões que "hipotequem o futuro do país e de suas políticas de desenvolvimento".
A frase é do chanceler Celso Amorim e alude ao fato de que o impasse na mais recente negociação da Alca aconteceu em torno da seguinte barganha: o Mercosul pedia mais acesso aos mercados dos demais 30 parceiros da Alca, o que significa reduzir e/ou eliminar as tarifas de importação. Mas um grupo, o G14, comandado pelos Estados Unidos, só aceitava a demanda dos países do Sul em troca de concessões em áreas como serviços, propriedade intelectual, investimentos e compras governamentais.
É justamente nessas áreas que o governo quer manter autonomia suficiente para implantar políticas de desenvolvimento.
A frase de Amorim dá a entender que tende a continuar o impasse que levou ao "recesso", conforme a terminologia oficial, a 17ª reunião do CNC (Comitê de Negociações Comerciais), realizada de 3 a 6 de fevereiro em Puebla. Ela será reiniciada, com idêntico número e na mesma cidade, dentro de cerca de três semanas.

Otimismo
Mas o chanceler está otimista. Conta que o nó que amarrou a maior parte da negociação esteve muito próximo de ser dissolvido com concessões de ambas as partes. O Mercosul pedia que fossem eliminadas as tarifas de importações de todos os produtos, agrícolas e não-agrícolas, de tal forma que fizesse "das Américas uma área livre de tarifas de importação em 15 anos", conforme a descrição do chefe da delegação argentina, o vice-chanceler Martín Redrado. O G14 preferia a derrubada de tarifas para "substancialmente todo o comércio", mas não para todo ele.
O Mercosul suspeitava que, na palavra "substancialmente", escondia-se a chave para que os produtos de interesse do bloco do Sul (carnes, suco de laranja, aço, açúcar e não mais de duas dezenas de outros) continuassem protegidos.
No último dia de negociação, chegou-se à fórmula que poderia ser a solução: em vez de falar em eliminar todas as tarifas, o texto proporia "substancial aumento" do acesso aos mercados dos 34 sócios da Alca.
O Mercosul cedia porque a eliminação de tarifas não seria total, mas o G14 também cedia, já que, ao garantir "substancial aumento" do acesso a seus mercados, não poderia continuar protegendo tudo o que protege hoje.
É razoável supor que essa formulação tende a ser o ponto de partida no reinício das negociações, mas ela, por si só, não garante o êxito do novo encontro. Para que ele de fato dê certo, será preciso "vontade política", diz Amorim, aludindo diretamente aos ministros, já que o CNC é uma reunião vice-ministerial, com autonomia de vôo naturalmente limitada.
A questão seguinte é saber se haverá ou não vontade política. O chanceler brasileiro acredita que a lógica diz que sim. Conta que perguntou a Robert Zoellick, o responsável pelo comércio exterior norte-americano, se o mercado brasileiro de bens interessava ou não aos EUA. Zoellick respondeu que sim, obviamente.
Se há esse interesse, acha Amorim, não há razão para a demanda dos EUA e seus parceiros do G14 de concessões em outras áreas.
O ministro, aliás, diz ser falsa a afirmação de que o G14 não cede em acesso a mercados porque o Mercosul não cede em serviços, compras governamentais etc. "Os Estados Unidos fizeram recentemente acordos com os países centro-americanos e cederam muito pouco em áreas como o açúcar, por exemplo, assim como cederam pouco no acordo anterior com o Chile."
O problema é que os líderes do G14 dizem que, na tradicional barganha que se dá em toda negociação comercial, é a vez de o Mercosul ceder. Alegam que o Mercosul obteve o que queria na Conferência Ministerial de Miami, ou seja, uma Alca "light", em que haverá um conjunto comum de direitos e obrigações, válido para todos os 34 parceiros, e acordos plurilaterais mais ambiciosos, mas que não são obrigatórios.
Por esse raciocínio, o Mercosul, que ganhou a primeira batalha, agora teria que se conformar com ambições modestas em todo o conjunto comum, inclusive no capítulo das tarifas de importação, a menos que melhore sua oferta em outras áreas.
Os EUA ameaçam até fazer já acordos plurilaterais com seus 13 parceiros do G14, como forma de "estimular" os outros países da Alca (leia-se: Mercosul) a entrarem no jogo.
Amorim rebate: "É pura cortina de fumaça".
Para o chanceler, a grande maioria dos 13 parceiros dos EUA no G14 já tem acordos de livre comércio com os Estados Unidos ou os está negociando, o que torna o "estímulo" pouco sedutor.
O que é certo é que um novo fracasso na mesma Puebla não poderá mais ser disfarçado como "recesso" e certamente levará, no mínimo, a mudar a data (janeiro de 2005) para o fim das negociações.



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