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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Dom Luiz e o São Francisco
Dom Luiz pede apenas que se retome o diálogo e que se garanta que seja amplo, transparente e participativo
RETOMO UM tema que sempre
me causa certa angústia. Anteontem, o governo publicou
no "Diário Oficial" o edital para o
início das obras do projeto de transposição de águas do rio São Francisco. Estão previstos gastos de R$ 3,3
bilhões para as obras. O governo estima que a despesa total alcance R$
6,6 bilhões, incluindo, além da
construção de canais, gastos com
projetos executivos, supervisão das
obras e aquisição de equipamentos,
entre outros. Desde o início da semana, centenas de representantes
de movimentos sociais estão acampados em Brasília, reivindicando a
retomada do diálogo com o governo, a revitalização do São Francisco
e o arquivamento do projeto de
transposição.
A minha atenção para o drama do
São Francisco e das populações que
dele dependem foi despertada pela
greve de fome realizada pelo bispo
Luiz Flávio Cappio em outubro de
2005, em Cabrobó. A greve foi suspensa por acordo negociado pelo
então ministro Jaques Wagner,
atual governador da Bahia. O ponto
mais importante do acordo foi a
promessa do governo de "prolongar
o debate" sobre a transposição das
águas do São Francisco, "ainda na
fase anterior ao início de obras, para
o esclarecimento amplo de questões que ainda suscitem dúvidas e
divergências", conforme documento negociado com dom Luiz pelo
ministro Wagner e aprovado pelo
presidente Lula.
Pelo que sei, esse debate apenas
começou. O ano de 2006, dominado
pelas eleições, não foi propício ao
aprofundamento da discussão. A
polêmica é intensa e o projeto vem
dividindo o Nordeste. Em artigo publicado há poucos dias pela "Agência Carta Maior", Leonardo Boff advertiu que, se o governo levar adiante o projeto sem levar em conta a
existência de alternativas que muitos especialistas consideram mais
baratas e socialmente mais eficazes,
"podemos contar com nova greve
de fome do bispo". E acrescentou:
"Entre o povo que não quer a transposição e as pressões de autoridades civis e eclesiásticas, dom Luiz ficará do lado do povo. E irá até o fim.
Então a transposição será aquela da
maldição, feita à custa da vida de um
bispo santo e evangélico. Estará o
governo disposto a carregar essa pecha pelo futuro afora?".
Um bispo "santo e evangélico".
Em minha vida, já conheci homens
de grande espírito público (Octavio
Gouvêa de Bulhões e meu pai, por
exemplo), já conheci figuras heróicas (Dilson Funaro), mas devo dizer
que nunca havia conhecido um santo, o que não é de espantar dada a
extraordinária raridade do fenômeno. No ano passado, contudo, tive a
honra de me encontrar diversas vezes com dom Luiz. Quem sou eu para dizer quem é ou não é santo? Mas
Leonardo Boff tem autoridade e conhecimento para tal. Conhece dom
Luiz há muito tempo, foi seu professor no seminário de teologia em Petrópolis, no início dos anos 70, e tornou-se seu amigo e admirador. Desde aquele tempo, relembrou Boff
em artigo escrito na época da greve
de fome, ele se destacava por "uma
aura de simplicidade e santidade".
No final de fevereiro, dom Luiz
esteve em Brasília para protocolar
carta ao presidente da República.
Nessa carta, ele observa que a Agência Nacional de Águas propõe 530
obras para solucionar os problemas
de abastecimento hídrico até 2015
em todos os núcleos urbanos com
mais de 5.000 habitantes do semi-árido. "Essas obras", escreveu dom
Luiz, "beneficiariam as populações
mais necessitadas e custariam R$
3,6 bilhões, sendo portanto mais baratas, mais abrangentes, mais eficientes do que qualquer obra de
transposição hídrica".
Dom Luiz não faz ameaças. Pede
apenas "que se retome o diálogo e
que se garanta que seja amplo,
transparente, verdadeiro e participativo, incluindo toda a sociedade
do São Francisco e do semi-árido,
conforme foi pactuado em Cabrobó
em outubro de 2005".
Se as dúvidas são tantas, se há tanta incerteza sobre os méritos do projeto de transposição, esse apelo precisa ser atendido. O governo deve ter
argumentos fortes, suponho, que
podem ser apresentados à opinião
pública e debatidos com os críticos
do projeto. Trata-se de cumprir o
que foi acordado pelo governo, em
negociação difícil e até dramática,
graças à qual se preservou a vida de
dom Luiz e se abriu a perspectiva,
ainda não concretizada, de uma discussão profunda sobre a transposição e as alternativas.
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 51, economista e professor da FGV-Eaesp, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional:
Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/Elsevier, 2005).
pnbjr@attglobal.net
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