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OPINIÃO ECONÔMICA
Algo há...
PAULO RABELLO DE CASTRO
Diante da acumulação de
evidências sobre um fato
qualquer, que começavam a saltar aos olhos e a subir pelas pernas
do seu eleitorado, o político rústico, porém malandro e sagaz, soltava invariavelmente aquela interjeição sherlokiana com a qual
definia sua disposição de não
mais acolitar o óbvio: "Algo há!"
-exclamava ele, com a circunspeção de um pesquisador.
Os economistas mais malandros
já chegaram também ao estágio
dessa interjeição politicamente
correta quando analisam as despesas públicas dos últimos anos:
algo há!
Porque, de mais a mais, se "algo" não houvesse, como poderia
estar, por exemplo, o ministro da
Fazenda, que é um homem experiente e preparado, tão visivelmente perturbado pelo atraso na
votação da CPMF?
A arrecadação da CPMF é que
está salvando a pátria (deles).
Com seus projetados R$ 20 bilhões
de arrecadação anual, é a contribuição "provisória" que tem fechado o caixa da República -o
chamado superávit primário-,
representado por um saldo da ordem de 3% da renda interna, com
o qual o governo enfrenta a sangria de quase 8% (também sobre
a renda interna) de juros decorrentes de sua dívida no mercado.
Por isso quem olha para as contas públicas de relance vê apenas
um governo superavitário, que
cumpre com rigor a cobertura dos
seus gastos, e ainda gera um saldo
primário substancial para atender, pelo menos parcialmente, a
conta indigesta dos juros! O FMI
endossa e parabeniza esse comportamento fiscal "exemplar"
porque a arrecadação tributária
sobe em linha com as despesas,
impedindo que o endividamento,
como proporção do bolo produtivo, cresça explosivamente.
No entanto algo há, porque o
que se expande cada vez mais devagar é a produção nacional, que
corresponde a uma renda quase
estagnada há vários anos, em que
a única fatia crescente do gasto
privado atende pelo nome de tributação!
Algo há de equivocado nessa
equação das contas públicas em
que a sustentação dos superávits
primários se dá sob condição de
um crescimento ininterrupto das
arrecadações de todos os tipos, de
tal forma que o governo, desesperado, não pode rever ou redefinir
um só item de suas receitas, nem
mesmo aquela arrecadação que
ele vem chamando jocosamente
de provisória!
No mundo dos financiadores do
governo -as empresas privadas e
as pessoas físicas-, ao contrário,
tudo tem sido provisório, marcado por intensa e contínua luta para equilibrar orçamentos diante
de receitas incertas. Todos têm de
se ajustar, com suor e lágrimas
-alguns até com sangue.
Enquanto isso, a chamada máquina pública se ajusta crescendo
sobre as rendas privadas. Ela não
corta despesas nem reavalia a
qualidade dos seus gastos, já que
tudo ou quase tudo é "direito adquirido" por alguém ou uma "necessidade imperiosa" a ser atendida (em geral, com um toque do
"social"). O crescimento da chamada carga tributária do país,
que ameaça chegar neste ano a
35% do PIB, não tem outro motivo senão a cobertura da despesa
que aumenta do outro lado, ainda mais velozmente, avançando
sobre as rendas de quem trabalha
ou de quem emprega.
A despesa pública federal dos
últimos quatro anos descreve a
forma gráfica de um foguete (ver
quadro) que nos leva para um
planeta novo, desconhecido.
Em breves anos, poderemos dizer que cerca de 40% a 50% de tudo o que se compra ou se paga
neste país tem origem em rendas
transferidas pelo governo, ou seja,
o setor menos eficiente da economia estará gerenciando e coordenando cerca de metade da vida
nacional -aquela que ainda
existir, obviamente... Não é de todo improvável que esse salto de
qualidade, para trás, possa ocorrer no prazo de cinco a dez anos.
Pelo andar da carruagem, conforme o atual panorama eleitoral,
ocorrerão reestatizações de setores "socialmente sensíveis" cujos
empresários privados não quiseram ou não souberam gerenciar
direito os "presentes" que ganharam.
Crédito privado? Bobagem! O
crédito será público e orientado,
conforme já é hoje. Primeiro, para
rolar a dívida do governo; segundo, para cobrir a dívida do governo e, terceiro, para financiar as
atividades privadas consideradas
"prioritárias" pela política industrial do governo. Para quem não
acredita, basta perguntar como já
se distribui, no dia de hoje, o crédito no Brasil, conforme seu destinatário final...
A explosão da despesa pública é
a origem inequívoca da nossa estagnação econômica. Contudo os
diagnósticos mais frequentes da
paralisia nacional, segundo o governo e os candidatos ao governo,
vão sempre parar em outras causas (o déficit externo, os juros altos, o protecionismo), já que é especialmente difícil olhar o próprio
umbigo antes de pensar em alcançar o bolso do contribuinte.
Mais grave ainda é perceber
que, genuinamente, não há candidato presidencial, entre os até
aqui apresentados, com um discurso voltado para uma revolução produtiva no país, baseada na
contenção e na realocação das
despesas do governo.
Pelo contrário: o que se viu, na
semana passada, foi o Supremo
Tribunal relaxar a interpretação
da Lei de Responsabilidade Fiscal
para o gáudio dos futuros gastadores públicos. Não espanta que o
ministro da Fazenda, homem sério, que corre atrás de verbas para
financiar o gasto incontinente e
impenitente da "família" do setor
público, esteja tão apavorado com
a não-aprovação da CPMF.
Definitivamente, algo há!
Paulo Rabello de Castro, 53, doutor em
economia pela Universidade de Chicago
(EUA), é vice-presidente do Instituto
Atlântico (RJ). Escreve às quartas-feiras, a
cada 15 dias, nesta coluna.
E-mail - paulo@reconsultores.com.br
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