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LUÍS NASSIF
O novo papel da Aneel
A Aneel (Agência Nacional
de Energia Elétrica) está
empenhada em uma longa discussão sobre o seu papel na economia brasileira. Pode ser um bom momento para estender a
discussão para o papel das agências reguladoras como um todo.
A missão das agências é garantir o equilíbrio econômico-financeiro do setor, tendo como foco central a defesa dos consumidores. Onde a rosca pega? Para
cumprir bem sua missão, a agência tem de deter não apenas conhecimento técnico sobre o setor, mas, principalmente, conhecimento jurídico e econômico-financeiro, incluindo conhecimento de mercado.
Em geral, as agências foram
constituídas por funcionários públicos exemplares na sua área,
mas sem o conhecimento das demais. E aí se entra em um terreno
complexo, especialmente no setor
elétrico.
Há uma multiplicidade de agentes envolvidos na operação do setor. Do lado dos consumidores, há
o residencial, o comercial e o atacadista, que compra energia em
grandes lotes. Do lado das empresas do setor, há distribuidores e geradores. Entre os geradores, os de
energia velha (hidrelétrica) e de
energia nova (gás).
Para cumprir sua missão, uma
agência precisa conhecer profundamente: a) aspectos econômico-financeiros das empresas, para
avaliar impactos de decisão sobre
os agentes e a legitimidade ou não
de seus pleitos; b) aspectos jurídicos, para não atropelar contratos
assinados; c) aspectos diplomáticos, já que atrás de cada grande
empresa estrangeira existe um
país pronto a lutar por seus interesses.
Em circunstâncias normais, não
se trata de tarefa fácil. Mais ainda
no caso do setor elétrico. O modelo
de privatização resultou em um
monstrengo complexo. E não se
cuidou, na mesma época, de dotar
o Ministério de Minas e Energia
de capacidade técnica para reformar o modelo.
O antigo modelo obedecia a
uma lógica eminentemente de
produção, com sistema de decisão
autárquico. A Eletrobrás definia
quem produzia e acertava qualquer problema de preço mediante
mera portaria.
O novo modelo pressupõe arbitrar conflitos. Sem um modelo
adequado, sem conhecimento de
aspectos econômico-financeiros, a
Aneel tentou cumprir sua missão
com uma dose de voluntarismo temerária. Os contratos de concessão previam o repasse das variações cambiais às tarifas. A Aneel
recusava-se a autorizar o que o
contrato previa, alegando que as
tarifas já tinham tido reajuste
adequado.
A intenção é ótima, poupar o
consumidor, mas o resultado é desastroso. O Brasil tem tradição de
séculos de não-cumprimento de
contratos. Apenas agora está se
reabilitando. Além de criar problemas políticos de monta, também sujeitava o poder público a
multas bilionárias por quebra de
contrato. Obviamente, a outra saída -jogar toda a conta do racionamento nas costas dos consumidores- foi igualmente desastrosa.
O desafio da nova Aneel não é
fácil. Quando estourou a crise de
energia, ela entrou na linha de fogo e teve sua imagem mutilada.
Daqui para a frente, para se fortalecer institucionalmente e cumprir
adequadamente sua missão, precisa tomar um conjunto de decisões:
1) Precisa ter planejamento estratégico adequado. Não pode trabalhar reativamente. Necessita de
modelos econométricos que permitam avaliar instantaneamente
o efeito de decisões ou de eventos
sobre a situação de cada elo da cadeia produtiva, sobre os preços de
mercado e de tarifa. É impossível
arbitrar conflitos sem uma visão
clara dos impactos financeiros das
medidas sobre empresas e consumidores.
2) Necessita de estrutura que incorpore especialistas em finanças,
em direito econômico e em direito
internacional. Não pode tomar
decisões que atropelem contratos e
a lei.
3) Mesmo não sendo um órgão
formulador de políticas, tem de ter
um departamento que se dedique
a analisar permanentemente o
modelo energético e a propor
aperfeiçoamentos, visto ser ela o
órgão que atua na linha de frente
do setor. Mesmo as correções do
atual modelo demandarão disputa diplomática relevante com os
países-sedes das empresas eventualmente afetadas pelas mudanças. Sua legitimidade decorrerá da
excelência técnica que conseguir
acumular nesse período.
E-mail - lnassif@uol.com.br
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