São Paulo, quarta-feira, 15 de maio de 2002

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LUÍS NASSIF

O novo papel da Aneel

A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) está empenhada em uma longa discussão sobre o seu papel na economia brasileira. Pode ser um bom momento para estender a discussão para o papel das agências reguladoras como um todo.
A missão das agências é garantir o equilíbrio econômico-financeiro do setor, tendo como foco central a defesa dos consumidores. Onde a rosca pega? Para cumprir bem sua missão, a agência tem de deter não apenas conhecimento técnico sobre o setor, mas, principalmente, conhecimento jurídico e econômico-financeiro, incluindo conhecimento de mercado.
Em geral, as agências foram constituídas por funcionários públicos exemplares na sua área, mas sem o conhecimento das demais. E aí se entra em um terreno complexo, especialmente no setor elétrico.
Há uma multiplicidade de agentes envolvidos na operação do setor. Do lado dos consumidores, há o residencial, o comercial e o atacadista, que compra energia em grandes lotes. Do lado das empresas do setor, há distribuidores e geradores. Entre os geradores, os de energia velha (hidrelétrica) e de energia nova (gás).
Para cumprir sua missão, uma agência precisa conhecer profundamente: a) aspectos econômico-financeiros das empresas, para avaliar impactos de decisão sobre os agentes e a legitimidade ou não de seus pleitos; b) aspectos jurídicos, para não atropelar contratos assinados; c) aspectos diplomáticos, já que atrás de cada grande empresa estrangeira existe um país pronto a lutar por seus interesses.
Em circunstâncias normais, não se trata de tarefa fácil. Mais ainda no caso do setor elétrico. O modelo de privatização resultou em um monstrengo complexo. E não se cuidou, na mesma época, de dotar o Ministério de Minas e Energia de capacidade técnica para reformar o modelo.
O antigo modelo obedecia a uma lógica eminentemente de produção, com sistema de decisão autárquico. A Eletrobrás definia quem produzia e acertava qualquer problema de preço mediante mera portaria.
O novo modelo pressupõe arbitrar conflitos. Sem um modelo adequado, sem conhecimento de aspectos econômico-financeiros, a Aneel tentou cumprir sua missão com uma dose de voluntarismo temerária. Os contratos de concessão previam o repasse das variações cambiais às tarifas. A Aneel recusava-se a autorizar o que o contrato previa, alegando que as tarifas já tinham tido reajuste adequado.
A intenção é ótima, poupar o consumidor, mas o resultado é desastroso. O Brasil tem tradição de séculos de não-cumprimento de contratos. Apenas agora está se reabilitando. Além de criar problemas políticos de monta, também sujeitava o poder público a multas bilionárias por quebra de contrato. Obviamente, a outra saída -jogar toda a conta do racionamento nas costas dos consumidores- foi igualmente desastrosa.
O desafio da nova Aneel não é fácil. Quando estourou a crise de energia, ela entrou na linha de fogo e teve sua imagem mutilada. Daqui para a frente, para se fortalecer institucionalmente e cumprir adequadamente sua missão, precisa tomar um conjunto de decisões:
1) Precisa ter planejamento estratégico adequado. Não pode trabalhar reativamente. Necessita de modelos econométricos que permitam avaliar instantaneamente o efeito de decisões ou de eventos sobre a situação de cada elo da cadeia produtiva, sobre os preços de mercado e de tarifa. É impossível arbitrar conflitos sem uma visão clara dos impactos financeiros das medidas sobre empresas e consumidores.
2) Necessita de estrutura que incorpore especialistas em finanças, em direito econômico e em direito internacional. Não pode tomar decisões que atropelem contratos e a lei.
3) Mesmo não sendo um órgão formulador de políticas, tem de ter um departamento que se dedique a analisar permanentemente o modelo energético e a propor aperfeiçoamentos, visto ser ela o órgão que atua na linha de frente do setor. Mesmo as correções do atual modelo demandarão disputa diplomática relevante com os países-sedes das empresas eventualmente afetadas pelas mudanças. Sua legitimidade decorrerá da excelência técnica que conseguir acumular nesse período.

E-mail - lnassif@uol.com.br



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