São Paulo, quarta-feira, 15 de maio de 2002

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GLOBALIZAÇÃO

Bloco falaria com uma só voz, diz idealizador

Empresário quer "Mr. Mercosul" para ressuscitar o bloco comercial

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MADRI

O Mercosul chega à sua segunda reunião de cúpula com a União Européia (sexta-feira, em Madri) tão esfrangalhado que um dos principais empresários brasileiros, Luiz Fernando Furlan (grupo Sadia), sugere a criação da figura de "Mr. Mercosul", para que o bloco fale com um só voz.
"Do lado europeu, fala um só, mas, do lado de cá, são quatro as vozes, às vezes cinco ou seis, se se considerar Chile e Bolívia associados ao Mercosul", diz Furlan.
Completa: "Talvez valesse a pena o Brasil bancar um "Mr. Mercosul", em vez de ficar nesse tiroteio".
O argumento de Furlan tem um peso que vai além da força da Sadia, uma das raras empresas brasileiras que está presente em mercados os mais diversificados. Em Madri, ele será eleito co-presidente do Fórum Empresarial Mercosul/União Européia, um conglomerado que faz a sua quarta reunião desde 1999, sempre dias antes da cúpula oficial.
Furlan acha que "falta liderança política" ao Mercosul, o que é uma forma velada de criticar a diplomacia brasileira, a única que poderia assumir tal liderança, não só pelo peso do país (representa cerca de 70% da economia do bloco) como pelo fato de que é o que enfrenta menos dificuldades econômicas no momento.
Diante da falta da liderança política reivindicada por Furlan, a cúpula Mercosul/União Européia não irá muito longe, em matéria de progresso, na negociação para formar uma zona de livre comércio entre os dois blocos, que seria a maior do mundo.
Decisões nessa área foram remetidas para uma reunião ministerial, no segundo semestre, quando o Brasil assume a presidência de turno do Mercosul, no lugar de uma Argentina paralisada pela crise.

Apoio à Argentina
É pouco provável que a Argentina saia das reuniões de Madri menos abandonada do que se sente hoje. Dizem os empresários europeus, no documento que prepararam para seu encontro com os colegas do Mercosul: "As companhias européias querem manifestar seu compromisso de ajudar a Argentina a recuperar o crescimento econômico por meio de suas atividades produtivas em uma moldura de políticas estáveis, abertas, favoráveis aos negócios, em um ambiente não-discriminatório".
Tradução: seguir a ortodoxia, recomendada pelo FMI (Fundo Monetário Internacional), e nada de impor medidas que prejudiquem as empresas européias, notadamente as espanholas, que fizeram pesados investimentos na Argentina até que o modelo de câmbio fixo revelou-se insustentável.
A partir daí, o que houve foi "desinvestimento". Só no ano passado as empresas espanholas tiraram da Argentina 923 milhões mais do que puseram (cerca de US$ 830 milhões).

Acordo com o Chile
Se os empresários recomendam a ortodoxia, é impensável que os governantes europeus sejam mais benevolentes e se disponham a ajudar a Argentina antes de um entendimento com o FMI, por mais que o governo brasileiro deva insistir nessa hipótese, como o presidente Fernando Henrique Cardoso tem feito uma e outra vez.
Ao contrário, os europeus vão usar a cúpula para a assinatura formal de um acordo de livre comércio com o Chile, como sinal de que tipo de política esperam dos latino-americanos em geral e do Mercosul em particular.
O Chile é tido como o principal modelo de abertura comercial e de políticas pró-mercado da América Latina, ao lado do México.
Pascal Lamy, comissário (espécie de ministro) europeu para o Comércio, diz que o acordo com o Chile é "ambicioso e inovador", por incluir, além da eliminação de tarifas para trocar bens, a liberalização também em serviços, propriedade intelectual, investimentos e políticas de concorrência.
Alguns desses temas (propriedade intelectual e investimentos) são vistos com reservas no Brasil, ainda mais em uma fase eleitoral em que não há um só candidato que se diga disposto a manter incólumes as políticas adotadas durante o período Fernando Henrique Cardoso.
A eleição no Brasil, aliás, é outro elemento a fazer o Mercosul passar por uma fase de "amortecimento", como diz Furlan.
"O que ocorrer nas próximas eleições brasileiras será determinante para todo o continente latino-americano", chega a supor a revista espanhola "La Clave", no editorial de seu número desta semana.

Suspeita de bomba
A polícia espanhola prendeu ontem duas pessoas acusadas de pertencer ao grupo separatista basco ETA (Euskadi Ta Askatasuna, ou Pátria Basca e Liberdade).
O ministro do Interior, Mariano Rajoy, disse que as duas talvez estivessem preparando um atentado durante a cúpula União Européia-América Latina e Caribe, que se realiza sexta-feira e sábado (a cúpula UE-Mercosul se dá à parte dessa reunião maior).



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