São Paulo, quinta-feira, 15 de maio de 2008

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

O Brasil vai bem, obrigado


O governo parece consciente do problema da valorização do real, ao lançar a política industrial e o fundo soberano

A COTAÇÃO do Brasil está muito alta, leitor. Quem mora fora do país, como eu, talvez perceba isso com mais facilidade. Diria um cínico: de longe, tudo parece melhor. Mas a verdade é que a imagem do país no exterior é bem melhor do que a imagem que o próprio brasileiro tem do país (e, no fundo, de si mesmo). O brasileiro, volto a dizer, continua a sofrer do velho "complexo de vira-lata" (Nelson Rodrigues).
A economia brasileira colhe elogios cada vez mais enfáticos -do FMI, de outros governos, das agências de classificação de risco, da grande imprensa internacional. Nas semanas recentes, a revista "The Economist", o "Wall Street Journal", o "Guardian", para citar apenas alguns exemplos, derramaram-se em considerações e previsões otimistas -e até entusiasmadas- sobre o país. "O país do futuro está finalmente chegando" foi a manchete do "Guardian" de sábado. Lá no céu, repousando sobre uma nuvem de algodão cor-de-rosa, Stefan Zweig sorriu satisfeito.
Dá até para desconfiar. Não raro, países emergentes muito elogiados acabam entrando por um cano deslumbrante. O México era cantado em prosa e verso antes da crise de 1994.
O mesmo se pode dizer dos países do Sudeste Asiático antes da crise de 1997. Ou da Argentina, antes da crise de 1998-2002.
Digito esse parágrafo e paro, aterrado. Acho que tive um súbito acesso do complexo de vira-lata. Não há brasileiro, por mais patriota, que escape inteiramente dessa sina.
Mas, enfim, eis o que eu queria dizer: o sucesso alimenta a complacência e pode ser fonte de futuros fracassos. É uma platitude, claro. Mas o óbvio precisa ser repetido, especialmente em momentos de sucesso.
Não quero de modo nenhum atrapalhar a comemoração, que é merecida, mas gostaria de levantar um problema (não tenho espaço para mais de um).
Um dos nossos pontos fracos, talvez o calcanhar-de-aquiles da política econômica brasileira, é a sobrevalorização do real. De certa maneira, é o lado problemático do sucesso -a força da moeda brasileira reflete a percepção favorável sobre a situação e as perspectivas da economia do país. Mas ela reflete, também, o elevado diferencial entre os juros brasileiros e os do resto do mundo.
Nos últimos 12 meses, o real se valorizou mais em relação ao dólar do que quase todas as principais moedas do mundo -mais do que o euro, mais do que o iene, mais do que o dólar canadense, mais do que o dólar australiano, mais do que o franco suíço.
Essa valorização do real, combinada com a expansão da demanda interna, está produzindo um estrago considerável no nosso balanço de pagamentos. As importações estão crescendo em ritmo muito superior ao das exportações. A queda do superávit comercial é rápida. As despesas com serviços e rendas (turismo e remessas de lucros, por exemplo) vêm aumentando continuamente.
Em conseqüência, o resultado em conta corrente sofreu deterioração muito mais rápida do que o esperado. No acumulado em 12 meses até março, a conta corrente já acusa um déficit de US$ 9,5 bilhões.
Não há risco visível de crise a curto ou médio prazos. As entradas de investimento direto, uma modalidade mais estável de capital externo, superam por larga margem o déficit em conta corrente. As reservas alcançam quase US$ 200 bilhões.
Além disso, o governo parece consciente do problema. É o que se pode depreender das decisões dos últimos dias -o lançamento da Política de Desenvolvimento Produtivo e do Fundo Soberano do Brasil.
Volto ao assunto oportunamente.


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. , 53, escreve às quintas-feiras nesta coluna. Diretor-executivo no FMI, representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).
pnbjr@attglobal.net


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