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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
O Brasil vai bem, obrigado
O governo parece consciente do problema da valorização do real, ao lançar a política industrial e o fundo soberano
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A COTAÇÃO do Brasil está muito
alta, leitor. Quem mora fora do
país, como eu, talvez perceba
isso com mais facilidade. Diria um cínico: de longe, tudo parece melhor.
Mas a verdade é que a imagem do
país no exterior é bem melhor do que
a imagem que o próprio brasileiro
tem do país (e, no fundo, de si mesmo). O brasileiro, volto a dizer, continua a sofrer do velho "complexo de vira-lata" (Nelson Rodrigues).
A economia brasileira colhe elogios cada vez mais enfáticos -do
FMI, de outros governos, das agências de classificação de risco, da grande imprensa internacional. Nas semanas recentes, a revista "The Economist", o "Wall Street Journal", o
"Guardian", para citar apenas alguns exemplos, derramaram-se em considerações e previsões otimistas -e
até entusiasmadas- sobre o país. "O país do futuro está finalmente chegando" foi a manchete do "Guardian" de sábado. Lá no céu, repousando sobre uma nuvem de algodão
cor-de-rosa, Stefan Zweig sorriu satisfeito.
Dá até para desconfiar. Não raro,
países emergentes muito elogiados
acabam entrando por um cano deslumbrante. O México era cantado em
prosa e verso antes da crise de 1994.
O mesmo se pode dizer dos países do
Sudeste Asiático antes da crise de
1997. Ou da Argentina, antes da crise
de 1998-2002.
Digito esse parágrafo e paro, aterrado. Acho que tive um súbito acesso
do complexo de vira-lata. Não há brasileiro, por mais patriota, que escape
inteiramente dessa sina.
Mas, enfim, eis o que eu queria dizer: o sucesso alimenta a complacência e pode ser fonte de futuros fracassos. É uma platitude, claro. Mas o óbvio precisa ser repetido, especialmente em momentos de sucesso.
Não quero de modo nenhum atrapalhar a comemoração, que é merecida,
mas gostaria de levantar um problema (não tenho espaço para mais de
um).
Um dos nossos pontos fracos, talvez o calcanhar-de-aquiles da política econômica brasileira, é a sobrevalorização do real. De certa maneira, é
o lado problemático do sucesso -a
força da moeda brasileira reflete a
percepção favorável sobre a situação
e as perspectivas da economia do
país. Mas ela reflete, também, o elevado diferencial entre os juros brasileiros e os do resto do mundo.
Nos últimos 12 meses, o real se valorizou mais em relação ao dólar do
que quase todas as principais moedas do mundo -mais do que o euro,
mais do que o iene, mais do que o dólar canadense, mais do que o dólar
australiano, mais do que o franco suíço.
Essa valorização do real, combinada com a expansão da demanda interna, está produzindo um estrago
considerável no nosso balanço de pagamentos. As importações estão
crescendo em ritmo muito superior
ao das exportações. A queda do superávit comercial é rápida. As despesas
com serviços e rendas (turismo e remessas de lucros, por exemplo) vêm
aumentando continuamente.
Em conseqüência, o resultado em
conta corrente sofreu deterioração
muito mais rápida do que o esperado. No acumulado em 12 meses até
março, a conta corrente já acusa um
déficit de US$ 9,5 bilhões.
Não há risco visível de crise a curto
ou médio prazos. As entradas de investimento direto, uma modalidade
mais estável de capital externo, superam por larga margem o déficit
em conta corrente. As reservas alcançam quase US$ 200 bilhões.
Além disso, o governo parece
consciente do problema. É o que se
pode depreender das decisões dos
últimos dias -o lançamento da Política de Desenvolvimento Produtivo
e do Fundo Soberano do Brasil.
Volto ao assunto oportunamente.
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. , 53, escreve às quintas-feiras nesta coluna. Diretor-executivo no FMI, representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).
pnbjr@attglobal.net
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