São Paulo, terça-feira, 15 de junho de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Não chores por mim, Argentina

BENJAMIN STEINBRUCH

Em fins de janeiro de 2002, em uma viagem a Buenos Aires, pude constatar a desolação e o caos em que estava mergulhada a Argentina, por culpa de políticas econômicas equivocadas.
Já no aeroporto de Ezeiza, sempre tão cheio de turistas, não havia fila para os não-residentes. No centro da capital, lojas, casas de show e restaurantes estavam sempre vazios. Nos hospitais e nas farmácias, faltavam até os remédios mais básicos. Nos negócios, nenhum sinal de vida: ninguém comprava e ninguém vendia.
A Argentina, que era um país desenvolvido no início do século 20, quando tinha renda per capita igual à da Alemanha, estava em bancarrota. Havia decretado a maior moratória da história, de US$ 80 bilhões, não tinha nenhum crédito internacional, e os recursos financeiros das pessoas haviam sido bloqueados, sendo liberados a conta-gotas. Milhares de cidadãos da classe média dependiam de instituições de caridade para se alimentar.
Dois anos e alguns meses se passaram. As filas voltaram ao aeroporto, os bons restaurantes têm espera de até uma hora e as lojas estão cheias de turistas, atraídos pelos baixos preços que o peso desvalorizado oferece aos estrangeiros. Os negócios se animam. O PIB cresce a um ritmo anual de 11%, o segundo maior índice do mundo, e a balança comercial apresenta superávit de US$ 14,2 bilhões em 12 meses (até março), o que proporciona superávit de US$ 7,9 bilhões na conta corrente externa. A inflação mantém-se comportada em 3,3% ao ano, apesar dos juros nominais de apenas 5,5%.
Esses números não indicam que a Argentina esteja salva. Mostram apenas que o país, depois de ver a renda per capita de sua população cair mais de 20% em três anos, vive um momento de grande crescimento econômico. Até agora, esse "boom" foi sustentado por três fatores: a apropriação de recursos decorrentes do calote da dívida externa (só em juros para os detentores de bônus a Argentina deixou de pagar US$ 18 bilhões desde dezembro de 2001); a utilização de capacidade ociosa do parque industrial, que permite a expansão de produção sem grandes investimentos; e o aumento da receita de exportações decorrente da elevação brutal dos preços das commodities agrícolas no ano passado.
Os críticos dizem que o crescimento argentino não é sustentável, porque será estrangulado pela falta de investimentos, algo que já ocorre no setor de energia. O ministro da Economia, Roberto Lavagna, tem uma dura batalha com os credores pela frente. Ele ofereceu na semana passada um plano de negociação da dívida em "default" em que pede um desconto de 75% no valor dos bônus não-pagos, proposta que os credores consideraram inaceitável. Mesmo que Lavagna obtenha um acordo, dizem os mais críticos, dificilmente haverá qualquer tipo de investimento estrangeiro na Argentina até que o calote monumental seja esquecido por bancos e demais credores internacionais. Outros, menos críticos, apostam na memória curta do sistema financeiro internacional e citam o exemplo da moratória da Rússia, em 1998, já esquecida.
Não quero entrar nessa polêmica. Lembro apenas que o presidente Néstor Kirchner conta com o apoio de 70% da população. Toda essa popularidade, bem como a retomada da auto-estima pelos argentinos, advém de um fato: o crescimento econômico. A Argentina chegou ao fundo do poço em fins de 2001 pela elementar razão de que seus governos não apostaram no crescimento na década de 90.
Calote, obviamente, não é caminho a ser escolhido por nenhum país, até porque, na Argentina, ele foi conseqüência -e não causa- de políticas desastradas. Por longos anos, o governo só cuidou de políticas de estabilização, com aval do FMI, e relegou a segundo plano ações que levariam ao desenvolvimento, na suposição neoliberal de que isso viria naturalmente, pelas forças do mercado.
A lição da "ressurreição" argentina, portanto, não está na idolatria do calote da dívida. Está na aposta no crescimento. Mesmo em economias gravemente machucadas por rupturas recentes, como a argentina, não se pode jogar pela janela nenhuma oportunidade de expandir a produção e o emprego. No ano passado, no Brasil, com condições muito melhores que a Argentina, o Banco Central "papou mosca", na expressão da economista Eliana Cardoso, ao agir timidamente na redução da taxa de juros. Espero que não faça o mesmo de novo agora.


Benjamin Steinbruch, 50, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional e presidente do conselho de administração da empresa.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


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