São Paulo, terça-feira, 15 de junho de 2004

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ONU E DESENVOLVIMENTO

Presidente defende injeção de recursos em nações em desenvolvimento, seguindo modelo que recuperou a Europa após a Segunda Guerra

Lula quer Plano Marshall para países pobres

Lalo de Almeida/Folha Imagem
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante discurso na cerimônia de abertura oficial da 11ª Unctad, ontem no Anhembi, em SP



GABRIELA ATHIAS
EM SÃO PAULO

CHICO DE GOIS
DA REPORTAGEM LOCAL

Depois de defender por duas vezes a revitalização do sistema que reduz barreiras tarifárias nas transações comerciais entre países pobres, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu um novo Plano Marshall para fortalecer a economia das nações em desenvolvimento.
Lula fez ontem dois discursos na cerimônia de abertura da 11ª Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento), que acontece em São Paulo.
"É hora de reafirmar claramente que a boa arquitetura financeira é a que sustenta mudanças. Ao final da Segunda Guerra Mundial, por exemplo, as economias beneficiadas pelo Plano Marshall recuperaram sua força rapidamente", disse Lula. Segundo ele, o "financiamento maciço [ocorrido por conta do plano] espantou a depressão e gerou uma espiral de prosperidade".
O Plano Marshall, adotado em 1947 pelos Estados Unidos, injetou dinheiro nos países europeus atingidos pela Segunda Guerra Mundial. O principal objetivo do plano -lançado pelo então secretário de Estado, George Marshall- foi reconstruir a economia da Europa, com foco na redução da pobreza e da miséria.
"O mundo mudou, as condições são outras, mas é disso que se trata novamente. Nenhuma fronteira geográfica ou tecnológica reúne hoje ingredientes com tantas necessidades urgentes e, ao mesmo tempo, tantas promessas quanto o das nações em desenvolvimento", disse Lula.
Segundo o presidente, uma prova de que o atual modelo de globalização é incapaz de produzir desenvolvimento é que, quando a Unctad foi criada, na década de 60, a renda per capita das nações pobres era de US$ 212; a dos mais ricos, de US$ 11.400.
Quarenta anos depois, disse ele, a renda dos mais pobres é de US$ 267; já a dos ricos, de US$ 32.400. "A alavanca exportadora é fundamental. Mas a tarefa gigantesca de superar tamanha desigualdade não pode depender somente do comércio", disse Lula.
O presidente afirmou que os organismos internacionais "precisam ampliar seu foco" para "sinalizar oportunidades seguras de investimento, em infra-estrutura, exportação, diversificação produtiva e regeneração social".
Para manter a atual taxa de crescimento da economia, o governo precisará captar dinheiro na iniciativa privada para financiar obras de infra-estrutura, como portos, estradas e ferrovias. O Estado brasileiro perdeu sua capacidade de investimento. A PPP (Parceria Público-Privada), por meio da qual o governo poderá fazer essa captação no Brasil e no exterior, ainda tramita no Congresso Nacional.

"Olhar penetrante"
Lula reafirmou a necessidade e a importância das relações comerciais entre os países ricos (do Norte) e os pobres (do Sul). Mas disse que representantes comerciais de países em desenvolvimento, quando se sentam à mesa de negociação, devem estar conscientes de que representam a parte excluída do planeta.
"Penso que é preciso sentir sempre -em cada mesa de negociação- o olhar penetrante de bilhões de pessoas que clamam por condições de vida dignas em nosso planeta. Elas cobram respostas que o século 20 não lhes deu."
O presidente propôs ainda a criação de um "centro internacional de políticas para o financiamento do desenvolvimento", que levaria o nome do economista Celso Furtado. A instituição, financiada com recursos dos países que adotarem a idéia, teria dois objetivos básicos: propor ações de combate à fome e à pobreza e elaborar políticas capazes de solucionar o que o presidente Lula chama de "gargalos do desenvolvimento" dos países pobres.
"Globalização não é sinônimo de desenvolvimento. Globalização não é um substituto para o desenvolvimento. Mas a globalização pode ser um instrumento de desenvolvimento, desde que seus benefícios possam ser repartidos entre todos", disse Lula.

Força
A defesa, feita ontem pelo presidente, de um sistema que possibilite o livre comércio (ou a redução de tarifas) entre países pobres é um passo quase natural da política externa do governo Lula. Desde setembro passado, a partir da reunião da OMC (Organização Mundial do Comércio), em Cancún, o Brasil assumiu a liderança dos países em desenvolvimento para endurecer a posição desse grupo em relação às restrições comerciais impostas pelos EUA e pela União Européia.
Para o presidente, o fortalecimento das relações comerciais entre países pobres reduzirá a dependência desse grupo em relação às nações ricas. "O comércio Sul-Sul deve seu dinamismo, em grande parte, ao reconhecimento dessa força: os países em desenvolvimento vêm concluindo entre si um número crescente de acordos bilaterais ou regionais de comércio."
"A nova geografia econômica e comercial que queremos construir é, sobretudo, a geografia da cooperação e da solidariedade", disse, ao propor um sistema que seja especialmente favorável aos mais pobres entre os países em desenvolvimento.
As reduções tarifárias do Sistema Geral de Preferências Comerciais são restritas ao grupo dos 77 países em desenvolvimento, mas até hoje apenas 44 aderiram. O objetivo do governo, segundo Lula, é conquistar a adesão de mais 40 países.


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