São Paulo, quarta-feira, 15 de junho de 2005

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LUÍS NASSIF

Brincando com o fogo

Ficar dentro da meta inflacionária não é um desafio que se encerra em 31 de dezembro de cada ano. É processo continuado. A vitória se dá quando o organismo econômico, sob equilíbrio, consegue conviver com inflações baixas.
Esse "sob equilíbrio" é o nó da questão. Se se atinge a meta ocasionalmente sem se estar sob equilíbrio, ao primeiro desafogo a mola se estende novamente, vai buscar um novo equilíbrio, trazendo uma nova inflação.
A lógica da política monetária é perseguir a meta de inflação gregoriana. Como parte da inflação é dada -os preços administrados, que refletem a inflação do período anterior-, para manter a meta, a política monetária necessita pressionar para baixo os preços livres. Cria-se o efeito mola por meio da apreciação do câmbio (reduzindo o custo dos insumos importados) e da compressão das margens.
Aí termina o ano, e suponhamos que a inflação tenha terminado dentro da meta. Significa que a batalha foi vencida? Não. Significa que há um novo ano pela frente, com a economia desaquecida, as empresas com as margens comprimidas e os preços administrados com reajustes menores para o período seguinte.
Arrumada a casa, os juros começam a cair, conforme promessa dos sábios do Banco Central. À medida que caem, há um movimento natural de saída de dólares. O câmbio se desvaloriza novamente, com impacto direto sobre o IPA (Índice de Preços no Atacado), que é o principal componente do IGP (Índice Geral de Preços), que indexa os contratos de concessão. Recria-se o movimento circular.
Se a economia começa a retomar e se as empresas estão com margens comprimidas, ao primeiro sopro de recuperação seu primeiro movimento será tratar de recuperar a margem. O segundo será retomar os investimentos. Mas, se o crescimento é abortado a qualquer movimento de recuperação de margem e se não se atua sobre oligopólios, como é que fica? Bateu de novo no limite da capacidade instalada, há aumento de preço e ocorre novo aumento de juros.
Pior: sempre que o câmbio se aprecia, esse movimento não é acompanhado pela queda correspondente dos insumos dolarizados. Aumentam-se os preços em dólares para compensar a queda em reais. Quando o real começa a se desvalorizar, mantêm-se o preço em dólares, que sofrem todo o peso da desvalorização.
Essa lógica tem se repetido sistematicamente na economia brasileira, desde que se passou a aplicar a política de metas inflacionárias por aqui. Tudo isso em condições normais de vôo. Não se estão incluindo nesse moto-contínuo variáveis que o governo Lula ainda não encontrou pela frente: crise internacional, crise na produção agrícola, terremoto eleitoral -conjunto de nuvens que estão se formando no horizonte.
Todas as energias do governo e dos setores responsáveis da opinião pública estão voltadas, neste momento, para debelar o redemoinho Roberto Jefferson. E se deixou de lado o tsunami que está sendo montado pelo Banco Central para o próximo ano.
O país gosta de brincar com fogo.


E-mail - Luisnassif@uol.com.br

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