São Paulo, domingo, 15 de junho de 2008

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Boom concentra riqueza e leva empresários à política

Investimentos contrastam com pobreza e infra-estrutura e acirram disputa por poder

Maior cidade da região, com 130 mil habitantes, Barreiras perde terreno para a vizinha LEM, onde condomínios têm campo de golfe e pista de kart

FERNANDO CANZIAN
ENVIADO ESPECIAL AO OESTE DA BAHIA

O prefeito tucano de Barreiras, Saulo Pedrosa, 67, malha três vezes por semana na hora do almoço. Se sai para a academia dez minutos após o previsto, acaba preso em um dos vários congestionamentos que entopem a cidade, de apenas 130 mil habitantes.
Normal, já que mais de 2.500 carretas pesadas, muitas com até nove eixos, atravessam o centro de Barreiras diariamente, levantando nuvens de poeira e arrebentando o pavimento. Por isso, Pedrosa se apressa.
Entre os habitantes de Barreiras, alguns querem mais é botar o prefeito para correr. "Se ele vem aqui, o povo mata ele. Saulo é muito melhor cirurgião do que prefeito", diz Helena Jaguarari, 44, que vende temperos no mercado em frente à prefeitura, do outro lado da BR-242, que corta Barreiras.
Embora possa, o baiano Saulo Pedrosa não é candidato à reeleição. Se diz decepcionado e quer voltar à medicina.
Barreiras tem uma dívida total de R$ 80 milhões e depende quase que exclusivamente de transferências da União e do Estado. Sem sistema de georeferenciamento para acompanhar fatos geradores de impostos no agronegócio, a sonegação em Barreiras grassa no campo e na cidade: 85% dos moradores, muitos latifundiários, não pagam IPTU.
Por isso, sobra muito pouco para investimentos, como o anel rodoviário planejado há anos para desafogar a cidade.
Um dos poucos orgulhos de Pedrosa foi a construção de uma escola no bairro pobre de Santa Luzia, onde se concentra a maior parte das 7.715 famílias beneficiárias do Bolsa Família.
Em Barreiras, há outras 7.011 famílias pleiteando o benefício, como a do ex-agricultor Edivaldo Oliveira, 25. Ele compra lenha a R$ 8 por carroça cheia e vende o mesmo material "picado" a padarias por R$ 20.
Oliveira já trabalhou no rico agronegócio local, mas deixou a atividade. Foi empurrado para fora pelas máquinas e por más condições de trabalho. "Muitas fazendas aqui só fazem a gente sofrer. Não compensa", afirma.
Com menos de 12% de sua população no campo, onde a mecanização impera, a situação de Barreiras é o contraste do que ocorre no agronegócio. "O desemprego é muito grande. A gente aqui fica só olhando, de braços cruzados, as carretas e o progresso passarem pela BR", resume, resignado, o prefeito.
Mas, há 95 km de Barreiras, há um grupo político emergente, vindo do Sul, de olho na cadeira do prefeito Pedrosa.
A estratégia do paranaense Oziel Oliveira, 43, duas vezes prefeito pelo PP da vizinha Luís Eduardo Magalhães, ou LEM, é fazer prefeita de Barreiras a sua mulher, a deputada federal Jusmari de Oliveira (PR-BA), também original do Paraná.
Em LEM, é tido como favas contadas que Oliveira fará seu sucessor o colega de atividades privadas Humberto Santa Cruz, 52, cearense educado no Rio e fazendeiro e empresário, assim como o prefeito.
O sonho do grupo político de LEM é agregar Barreiras à onda de "rápido desenvolvimento" por que passa esse pequeno município de 40 mil habitantes, onde a maioria veio de fora. A impressão é que há mais loiros e sotaque gaúcho em LEM do que morenos e baianos.
"Somos de direita, mas não temos problemas com o governo Lula ou com o governo estadual do PT. Nosso projeto é claro: atrair empresas para agregar valor à produção agrícola", diz Oliveira, elencando vários investimentos em gestação.
O prefeito se orgulha de ter assumido LEM em 2001 gerando receita mensal de R$ 450 mil e de estar entregando a cidade com giro de R$ 5 milhões. "No período, a população cresceu cinco vezes. A receita, dez."
Mal comparando, LEM é uma espécie de Dubai tupiniquim no oeste da Bahia. Em vez do petróleo dos Emirados Árabes, o dinheiro brota do agronegócio e de seus agregados.
Mas, assim como Barreiras, LEM tem uma estrada, a BR-020, no meio do caminho -e crescentes problemas sociais.
Há 30 anos, LEM não passava de um posto de gasolina, o Mimoso do Oeste. O entorno do posto cresceu e virou distrito de Barreiras, até a emancipação com o nome de LEM. O posto continua lá, no miolo da cidade, cercado de caminhões e prostitutas durante à noite.
De um lado da movimentada BR-20 em LEM, há bairros e residências mais pobres e modestas. Do outro, condomínios fechados com imóveis na casa do milhão, campo de golfe, circuito de kart e pista de pouso de terra batida nos arredores.
Nesse mesmo lado, figuram ainda um hotel novo, com elevador panorâmico, e o Avenida Lounge, o primeiro bar-restaurante da cidade a mimetizar as influências do Sul-Sudeste.
Há duas semanas, o jornal local "Classe A" resumia na capa dois destaques de LEM: a feira Bahia Farm Show e suas "novas tecnologias"; e o Jardim das Acácias, onde vive mais de um quarto da população da cidade envolta em "uma onda de assaltos e violência no bairro".
O problema seria carência de segurança, iluminação e políticas públicas. Já o concentrado agronegócio cresce sem parar.


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