São Paulo, segunda-feira, 15 de junho de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Governo investiga venda de soro hospitalar

Laboratórios são suspeitos de vender abaixo do preço de tabela, enquanto hospitais cobram valor "cheio" de planos e pacientes

Estratégia faz empresas barrarem rivais e obterem exclusividade para fornecer o soro, mas benefício não chega aos consumidores

FÁTIMA FERNANDES
DA REPORTAGEM LOCAL

A SDE (Secretaria de Direito Econômico), do Ministério da Justiça, e o Gedec (Grupo Especial de Repressão aos Delitos Econômicos), do Ministério Público do Estado de São Paulo, abriram investigação para apurar suspeita de infração à ordem econômica cometida por três fabricantes de Solução Parenteral de Grande Volume (SPGV), popularmente conhecida como soro hospitalar. É um mercado que deve movimentar cerca de R$ 1 bilhão neste ano no Brasil.
A Baxter Hospitalar, a B. Braun e a HalexIstar são suspeitas de venderem produtos para hospitais e clínicas a preços abaixo dos da tabela da CMED (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos), prática que, num primeiro momento, parece até beneficiar o consumidor. Só que, na hora de pedir reembolso de planos de saúde e de clientes particulares, hospitais e clínicas cobram o preço "cheio" e ficam com a diferença. E os fabricantes ganham a exclusividade no fornecimento do produto.
A denúncia da conduta das três fabricantes à SDE foi feita pela CMED -que reúne seis ministérios- há cerca de um ano. A entidade, que estabelece preço-teto para os medicamentos, chegou a discutir o caso com as três empresas -que admitiram a prática, segundo relatório da Câmara-, mas não conseguiu acordo para registrar preços menores dos soros hospitalares. A CMED não pode reduzir unilateralmente preços de medicamentos.
A SDE e o Ministério Público entendem que a "conduta promove graves barreiras à entrada de concorrentes no mercado", já que o incentivo para que hospitais e clínicas adquiram as soluções passa a ser a diferença entre o preço de compra e o de reembolso, e não a variedade e a qualidade dos produtos. O consumidor é prejudicado porque tem de pagar mais pelo plano de saúde.
"A SDE instaurou processo administrativo para verificar se a conduta das três empresas prejudica a concorrência e o consumidor. Também vamos investigar os hospitais, os mais representativos do país, pois, num primeiro momento, quem paga a conta são os planos de saúde, e, num segundo momento, os consumidores", diz Ana Paula Martinez, diretora do Departamento de Proteção e Defesa Econômica da SDE. A SDE deve estender a investigação para medicamentos. Procurada, a CMED não se pronunciou sobre as investigações.

Concentração
As três empresas tinham em 2006, segundo informações da CMED, cerca de 90% do mercado de soro hospitalar em embalagem de sistema fechado, aquele que não permite o contato da solução com o ambiente durante o preparo e a administração. Essa participação deve ter diminuído, pois outras empresas entraram no mercado.
Em 2007, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) obrigou as empresas a substituírem as embalagens de sistema aberto por fechado -adotado em outros países-, o que minimiza riscos de infecções hospitalares.
A Abrasp (Associação Brasileira de Produtores de Solução Parenteral) informa que existem no país 13 fabricantes de soro hospitalar em sistema fechado. Essas empresas fabricam cerca de dez formulações diferentes de produtos em cerca de 40 apresentações. No total são vendidos por ano cerca de 480 milhões de unidades.
Os hospitais, segundo relatório da CMED, não podem comercializar medicamentos nem cobrar de planos de saúde e pacientes preço diferente do que pagou. Eduardo de Oliveira, presidente da Federação Brasileira de Hospitais, diz que o que o hospital não pode é pedir reembolso de preço acima do preço-teto da CMED, o que vale para medicamentos.
Na prestação de serviços que envolvam fornecimento de medicamentos, segundo relatório da CMED, hospitais têm direito a receber de pacientes particulares ou de planos de saúde reembolso, que representa a devolução da quantia desembolsada, não configurando atividade de revenda.
Na denúncia encaminhada à SDE, a CMED cita ainda que há evidências de que as três empresas têm preços de tabela próximos e vendem esses produtos a preços mais baixos.
Notas fiscais reunidas na investigação mostram que algumas das soluções que tinham preço de tabela entre R$ 5 e R$ 6 eram comercializadas por R$ 1,60 a R$ 1,90 para hospitais e clínicas. Há caso de um produto, como a solução glicose 10% de 1000 ml, que tem preço de tabela de R$ 14,20, mas foi vendida por R$ 2,77.
Gilberto Leme Marcos Garcia, promotor do Gedec, do Ministério Público do Estado de São Paulo, diz que o grupo vai investigar a prática das três empresas. "São fortes as suspeitas de condutas que infringem a ordem econômica e de prática de estelionato, já que há indícios de que essa conduta ocorra em grandes hospitais particulares em São Paulo", afirma.
Arlindo de Almeida, presidente da Abramge, associação que reúne os planos de saúde de medicina de grupo, diz que essa prática de descontos é antiga e que as operadoras, cientes, "procuram impedir esse ação por meio de auditorias".


Texto Anterior: Mercado Aberto
Próximo Texto: Outro lado: Laboratório diz que preço está em discussão
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.