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Lemann comanda operação e mira o mercado chinês
Empresário e sócios Telles e Sicupira negociaram com família Busch e Buffett
Possibilidade de Lula vencer Collor facilitou compra da Brahma em 1989, porta de entrada dos ex-banqueiros no ramo de cervejas
GUILHERME BARROS
COLUNISTA DA FOLHA
Em 1992, os empresários
Jorge Paulo Lemann, Marcel
Telles e Carlos Alberto Sicupira
se reuniram em Saint Louis,
nos EUA, para uma conversa
com August Busch 3º, o todo-poderoso dono da maior cervejaria do mundo, a americana
Anheuser-Busch.
Busch 3º propôs a compra da
Brahma, que, em 1989, tinha sido comprada pelo trio de investidores. A resposta dos três foi
surpreendente. Disseram a
Busch 3º que um dia seriam importantes acionistas da fabricante da Budweiser, a mais famosa cerveja da empresa.
Quinze anos depois, a promessa se confirma. Lemann,
Telles e Sicupira adquirem a
Anheuser-Busch numa operação que começou a ser desenhada muitos anos antes.
Egressos do mercado financeiro, o trio de investidores
brasileiros construiu uma marca no país pelo estilo adotado à
frente do banco Garantia, fundado na década de 1970. O nome Garantia virou lenda no
mercado por ações inovadoras
e agressivas.
O modelo "partnership" (de
participação acionária dos executivos) de gestão foi copiado
por praticamente todos os bancos de investimentos do país. O
Garantia não existe mais. Foi
vendido em 1998 para o CS
First Boston, a reboque da crise
da Rússia.
No início da década de 1980,
quando o então banqueiro Lemann se aventurou no chamado "mundo real" ao comprar a
Lojas Americanas, muitos disseram que estaria comprando a
empresa para vendê-la logo depois. Já se passaram quase 30
anos, e o trio ainda detém o
controle das Americanas.
A experiência se repetiu com
a Brahma. Fiel ao seu estilo, Lemann teve paciência, muita paciência para comprar a Brahma. Foi, a exemplo do que
aconteceu nas Americanas,
pouco a pouco comprando as
ações da cervejaria. A Brahma
também era vulnerável na Bolsa. Seu controle poderia ser adquirido no mercado.
O negócio foi fechado às cegas, apenas três semanas antes
das eleições presidenciais de
1989. As três famílias alemãs
que controlavam a Brahma na
época temiam a vitória do então candidato Luiz Inácio Lula
da Silva sobre Fernando Collor
de Mello. Collor acabou eleito,
e Lula só chegaria à Presidência
quase 15 anos depois.
Lemann, Telles e Sicupira
compraram o controle da empresa tendo avaliado o preço
total da cervejaria em US$ 280
milhões e sem examinar um
único número. Se tivessem visto os livros da empresa, talvez o
negócio não fosse fechado. A
companhia tinha déficit previdenciário de US$ 300 milhões.
Com investimentos pesados
em publicidade, tecnologia e no
aumento constante de produtividade, os três viram que o negócio de cerveja no mundo só se
tornaria rentável se houvesse
ganhos de escala. Partiram então para a fusão com a Antarctica, num negócio que levou alguns anos e muito desgaste político. A operação foi motivo de
muitas críticas, mas acabou
sendo aprovada pelo Cade.
Compra da Antarctica
O negócio começou quase
que por uma coincidência. Telles jantava com a família num
restaurante em São Paulo
quando numa outra mesa viu
Victorio de Marchi, presidente
da Antarctica. O pontapé inicial
foi de Telles. Por que não fundimos as duas empresas?
Marchi concordou, e as conversas se iniciaram, sempre
cercadas de muito sigilo. Na
época, achava-se impossível. A
Antarctica era controlada por
uma fundação, mas acabou se
encontrando meios para o negócio ser concretizado.
Após a criação da AmBev, a
empresa começou a comprar as
cervejarias da América do Sul,
inclusive a tradicional Quilmes,
da Argentina. Foi uma espécie
de treino para o que viria.
As conversas com a Anheuser-Busch nunca tinham sido
interrompidas. Antes, porém,
surgiu a possibilidade de negociação com a belga Interbrew.
Novamente, quase uma coincidência. Um dos acionistas da
cervejaria belga, Alexander
Van Damme, é freqüentador de
Saint-Moritz, na Suíça, onde
Lemann tem uma casa. Os dois
freqüentemente conversavam
sobre negócios quando passeavam com seus cachorros. Foi
assim que nasceu a InBev, num
passeio com cachorros.
Quando a AmBev se fundiu
com a Interbrew, em 2004,
criando-se a InBev, novamente
o trio foi alvo de muitas críticas.
Foi acusado de estar vendendo
a cervejaria brasileira para o capital estrangeiro. Um dos mais
ácidos foi o então presidente do
BNDES, Carlos Lessa.
Quase cinco anos depois, são
os brasileiros que ocupam os
principais postos da cervejaria.
Nas palavras do primeiro-ministro belga, a cervejaria antes
era belgo-brasileira, hoje é brasileiro-belga.
Ajuda a Brito
Tanto é assim que o principal
executivo da companhia é o carioca Carlos Brito, 48, que um
dia foi aceito para estudar em
Stanford, nos EUA, mas não tinha dinheiro.
Por meio de um amigo do pai
médico, Brito pediu uma ajuda
a Jorge Paulo Lemann para
cursar a universidade. A Fundação Estudar, que é ligada ao
trio de investidores, financiou a
parte inicial dos estudos.
No ano em que ia se formar,
1989, Lemann, Telles e Sicupira
convidaram Brito para trabalhar num novo negócio que estavam começando. Brito aceitou sem saber o que era. O novo
negócio era a Brahma.
Brito teve papel fundamental
na compra da Anheuser-Busch.
Foi ele quem ficou na linha de
frente negociando com os americanos. Lemann e Telles atuaram nos bastidores.
Coube a Lemann os contatos
com os empresários August
Busch 4º e o megainvestidor
Warren Buffett, que também é
acionista da empresa.
Não se sabe exatamente qual
será o papel de Buffett na nova
empresa, mas não é novidade
para ninguém que ele é muito
amigo de Lemann e que um dia
os dois poderiam ser sócios de
um grande negócio. Quem sabe, nesse negócio. Coube a Telles manter contato com Busch
3º.
A grande pergunta que se faz
é qual seriam os interesses das
duas empresas? A resposta não
é tão simples. De cara, pode-se
imaginar que a atual crise nos
Estados Unidos, a maior desde
o "crash" da Bolsa, em 1929, tenha, de uma certa forma, fragilizado a cervejaria americana.
Os preços das suas ações caíram, assim como de todas as
outras listadas em Bolsa.
A crise americana é só uma
parte da explicação. Outro motivo foi certamente o fato de o
setor de cerveja já ser um mercado maduro, que pouco cresce
no mundo. Os acionistas da
Anheuser-Busch estavam cada
vez mais insatisfeitos com os
resultados da empresa. Os lucros minguavam.
Ao mesmo tempo, a InBev se
fortalecia a cada ano. Quando a
empresa nasceu, em 2004, ocupava a quarta posição no mundo. Nos últimos dois anos, a InBev se tornou a primeira em faturamento e lucratividade.
Agora, ao comprar a Anheuser-Busch, torna-se também a primeira em produção do planeta.
Olho na China
Discreto, avesso a entrevistas
e holofotes, Jorge Paulo Lemann é um dos empresários
mais conhecidos e respeitados
-fora do Brasil. Tenista praticante e que até hoje mantém o
mesmo estilo elegante que o levou a disputar a Copa Davis para o Brasil, na década de 1960,
Lemann, apesar de se tornar o
maior empresário de cerveja do
mundo, não toma cerveja nem
qualquer outra bebida alcoólica. Só água.
Não convém apostar uma
cerveja sequer na hipótese de
Lemann, Telles e Sicupira finalmente se aposentarem ao
terem comprado a Anheuser-Busch.
O que Lemann disse a uma
pessoa próxima é que o que lhes
resta, daqui para a frente, é
muito, muito trabalho. Os três
estão de olhos voltados para
um outro mercado de cerveja,
ainda inexplorado e pouco conhecido do mundo ocidental. A
China é o próximo alvo.
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