São Paulo, terça-feira, 15 de julho de 2008

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Lemann comanda operação e mira o mercado chinês

Empresário e sócios Telles e Sicupira negociaram com família Busch e Buffett

Possibilidade de Lula vencer Collor facilitou compra da Brahma em 1989, porta de entrada dos ex-banqueiros no ramo de cervejas

GUILHERME BARROS
COLUNISTA DA FOLHA

Em 1992, os empresários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira se reuniram em Saint Louis, nos EUA, para uma conversa com August Busch 3º, o todo-poderoso dono da maior cervejaria do mundo, a americana Anheuser-Busch.
Busch 3º propôs a compra da Brahma, que, em 1989, tinha sido comprada pelo trio de investidores. A resposta dos três foi surpreendente. Disseram a Busch 3º que um dia seriam importantes acionistas da fabricante da Budweiser, a mais famosa cerveja da empresa.
Quinze anos depois, a promessa se confirma. Lemann, Telles e Sicupira adquirem a Anheuser-Busch numa operação que começou a ser desenhada muitos anos antes.
Egressos do mercado financeiro, o trio de investidores brasileiros construiu uma marca no país pelo estilo adotado à frente do banco Garantia, fundado na década de 1970. O nome Garantia virou lenda no mercado por ações inovadoras e agressivas.
O modelo "partnership" (de participação acionária dos executivos) de gestão foi copiado por praticamente todos os bancos de investimentos do país. O Garantia não existe mais. Foi vendido em 1998 para o CS First Boston, a reboque da crise da Rússia.
No início da década de 1980, quando o então banqueiro Lemann se aventurou no chamado "mundo real" ao comprar a Lojas Americanas, muitos disseram que estaria comprando a empresa para vendê-la logo depois. Já se passaram quase 30 anos, e o trio ainda detém o controle das Americanas.
A experiência se repetiu com a Brahma. Fiel ao seu estilo, Lemann teve paciência, muita paciência para comprar a Brahma. Foi, a exemplo do que aconteceu nas Americanas, pouco a pouco comprando as ações da cervejaria. A Brahma também era vulnerável na Bolsa. Seu controle poderia ser adquirido no mercado.
O negócio foi fechado às cegas, apenas três semanas antes das eleições presidenciais de 1989. As três famílias alemãs que controlavam a Brahma na época temiam a vitória do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva sobre Fernando Collor de Mello. Collor acabou eleito, e Lula só chegaria à Presidência quase 15 anos depois.
Lemann, Telles e Sicupira compraram o controle da empresa tendo avaliado o preço total da cervejaria em US$ 280 milhões e sem examinar um único número. Se tivessem visto os livros da empresa, talvez o negócio não fosse fechado. A companhia tinha déficit previdenciário de US$ 300 milhões.
Com investimentos pesados em publicidade, tecnologia e no aumento constante de produtividade, os três viram que o negócio de cerveja no mundo só se tornaria rentável se houvesse ganhos de escala. Partiram então para a fusão com a Antarctica, num negócio que levou alguns anos e muito desgaste político. A operação foi motivo de muitas críticas, mas acabou sendo aprovada pelo Cade.

Compra da Antarctica
O negócio começou quase que por uma coincidência. Telles jantava com a família num restaurante em São Paulo quando numa outra mesa viu Victorio de Marchi, presidente da Antarctica. O pontapé inicial foi de Telles. Por que não fundimos as duas empresas?
Marchi concordou, e as conversas se iniciaram, sempre cercadas de muito sigilo. Na época, achava-se impossível. A Antarctica era controlada por uma fundação, mas acabou se encontrando meios para o negócio ser concretizado.
Após a criação da AmBev, a empresa começou a comprar as cervejarias da América do Sul, inclusive a tradicional Quilmes, da Argentina. Foi uma espécie de treino para o que viria.
As conversas com a Anheuser-Busch nunca tinham sido interrompidas. Antes, porém, surgiu a possibilidade de negociação com a belga Interbrew.
Novamente, quase uma coincidência. Um dos acionistas da cervejaria belga, Alexander Van Damme, é freqüentador de Saint-Moritz, na Suíça, onde Lemann tem uma casa. Os dois freqüentemente conversavam sobre negócios quando passeavam com seus cachorros. Foi assim que nasceu a InBev, num passeio com cachorros.
Quando a AmBev se fundiu com a Interbrew, em 2004, criando-se a InBev, novamente o trio foi alvo de muitas críticas. Foi acusado de estar vendendo a cervejaria brasileira para o capital estrangeiro. Um dos mais ácidos foi o então presidente do BNDES, Carlos Lessa.
Quase cinco anos depois, são os brasileiros que ocupam os principais postos da cervejaria. Nas palavras do primeiro-ministro belga, a cervejaria antes era belgo-brasileira, hoje é brasileiro-belga.

Ajuda a Brito
Tanto é assim que o principal executivo da companhia é o carioca Carlos Brito, 48, que um dia foi aceito para estudar em Stanford, nos EUA, mas não tinha dinheiro.
Por meio de um amigo do pai médico, Brito pediu uma ajuda a Jorge Paulo Lemann para cursar a universidade. A Fundação Estudar, que é ligada ao trio de investidores, financiou a parte inicial dos estudos.
No ano em que ia se formar, 1989, Lemann, Telles e Sicupira convidaram Brito para trabalhar num novo negócio que estavam começando. Brito aceitou sem saber o que era. O novo negócio era a Brahma.
Brito teve papel fundamental na compra da Anheuser-Busch. Foi ele quem ficou na linha de frente negociando com os americanos. Lemann e Telles atuaram nos bastidores.
Coube a Lemann os contatos com os empresários August Busch 4º e o megainvestidor Warren Buffett, que também é acionista da empresa.
Não se sabe exatamente qual será o papel de Buffett na nova empresa, mas não é novidade para ninguém que ele é muito amigo de Lemann e que um dia os dois poderiam ser sócios de um grande negócio. Quem sabe, nesse negócio. Coube a Telles manter contato com Busch 3º.
A grande pergunta que se faz é qual seriam os interesses das duas empresas? A resposta não é tão simples. De cara, pode-se imaginar que a atual crise nos Estados Unidos, a maior desde o "crash" da Bolsa, em 1929, tenha, de uma certa forma, fragilizado a cervejaria americana. Os preços das suas ações caíram, assim como de todas as outras listadas em Bolsa.
A crise americana é só uma parte da explicação. Outro motivo foi certamente o fato de o setor de cerveja já ser um mercado maduro, que pouco cresce no mundo. Os acionistas da Anheuser-Busch estavam cada vez mais insatisfeitos com os resultados da empresa. Os lucros minguavam.
Ao mesmo tempo, a InBev se fortalecia a cada ano. Quando a empresa nasceu, em 2004, ocupava a quarta posição no mundo. Nos últimos dois anos, a InBev se tornou a primeira em faturamento e lucratividade. Agora, ao comprar a Anheuser-Busch, torna-se também a primeira em produção do planeta.

Olho na China
Discreto, avesso a entrevistas e holofotes, Jorge Paulo Lemann é um dos empresários mais conhecidos e respeitados -fora do Brasil. Tenista praticante e que até hoje mantém o mesmo estilo elegante que o levou a disputar a Copa Davis para o Brasil, na década de 1960, Lemann, apesar de se tornar o maior empresário de cerveja do mundo, não toma cerveja nem qualquer outra bebida alcoólica. Só água.
Não convém apostar uma cerveja sequer na hipótese de Lemann, Telles e Sicupira finalmente se aposentarem ao terem comprado a Anheuser-Busch.
O que Lemann disse a uma pessoa próxima é que o que lhes resta, daqui para a frente, é muito, muito trabalho. Os três estão de olhos voltados para um outro mercado de cerveja, ainda inexplorado e pouco conhecido do mundo ocidental. A China é o próximo alvo.


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