São Paulo, terça-feira, 15 de julho de 2008

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BENJAMIN STEINBRUCH

Déficit externo e inflação


Na economia, o déficit externo precisa de atenção muito maior, igual à que se dá hoje à inflação

NA QUARTA-FEIRA da semana passada, enquanto eu tentava escrever um artigo sobre o déficit na conta corrente do balanço de pagamentos, a televisão, sem som, mostrava o jogo do São Paulo contra o Náutico, em Recife.
Eu estava impressionado com a previsão de que o déficit pode atingir neste ano até US$ 35 bilhões, muito além das previsões iniciais de US$ 11 bilhões. Pensava em fazer um texto de alerta sobre o crescimento do déficit, um lendário inimigo da economia brasileira, enquanto as atenções dos analistas estão concentradas apenas no problema da inflação.
Como o São Paulo perdia por 2 a 1, tentei concentrar-me no tema das contas externas. Mas, vendo a TV de rabo de olho na esperança de que o São Paulo conseguisse o empate, vi seguidos lances em que os jogadores se atiravam em campo. Veio-me, então, uma idéia óbvia a respeito de um problema grave no futebol brasileiro: ética.
Desisti dos números do déficit, embora o tema fosse muito mais importante que o futebol. Ética vem de "ethos", palavra grega que significa caráter ou modo de ser. Todas as profissões têm seu código de ética, que não é lei, mas cujo cumprimento é quase obrigatório na atual sociedade competitiva.
Penso que os percalços do futebol brasileiro nos últimos tempos têm muito a ver com ética. É instrutivo comparar partidas dos campeonatos europeus com as do Brasileiro. O número de faltas na Europa é incrivelmente menor que o daqui. Não porque haja menos jogadas perigosas, mas porque os jogadores raramente simulam situações faltosas. Quando o fazem, são duramente reprimidos pelo árbitro, com cartão amarelo, e até pela reação indignada dos companheiros.
Alguns princípios éticos são cumpridos no futebol brasileiro. Quando um jogador se vê em condição de marcar um gol de "bola e tudo", por exemplo, ele sempre chuta antes da linha fatal, para não humilhar o adversário. Isso é ética, porque nenhuma regra proíbe o gol de "bola e tudo".
Mas, em outras situações, a ética tem sido seguidamente descumprida. São muito comuns jogadas de disputa de bola nas quais um dos jogadores se atira ao chão ao menor contato com o adversário. Caberia ao árbitro impedir esse procedimento, punindo o simulador com falta e cartão amarelo.
Mas isso não se dá. Os juízes são condescendentes com essas simulações e muitas vezes alteram resultados com infrações inexistentes. A diferença de atuação entre árbitros brasileiros e estrangeiros é evidente em partidas da Libertadores. Os juízes estrangeiros deixam o jogo correr, há um número muito menor de faltas e o nível de lealdade é muito maior.
A falta de ética dos simuladores leva a um comportamento perigoso dos companheiros em situações em que um jogador fica caído sem que a bola seja colocada para fora do campo para atendimento médico. Parte-se do princípio de que a contusão é simulada com objetivo de ganhar tempo. Raramente se vê isso na Europa. Se alguém fica caído no campo, a bola é rapidamente colocada para fora das linhas de jogo.
Estou, obviamente, muito mais preocupado com o aumento do déficit externo do que com a ética no futebol. Um problema não tem nada a ver com o outro. Mas ambos decorrem do descuido de autoridades. No futebol, os árbitros brasileiros precisam ser instruídos para punir severamente o comportamento antiético dos jogadores para que o país não seja prejudicado em competições internacionais, como a Olimpíada e a Copa do Mundo. Na economia, o déficit externo precisa de atenção muito maior, igual à que se dá hoje à inflação.


BENJAMIN STEINBRUCH , 54, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
bvictoria@psi.com.br


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