São Paulo, segunda-feira, 15 de agosto de 2005

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PREVIDÊNCIA

Nelson Machado afirma que projeção para o ano será revista e que governo criará diretoria específica para priorizar atendimento

Déficit do INSS extrapolará meta, diz ministro

Sergio Lima - 31.jan.05/Folha Imagem
O ministro Nelson Machado, que assumiu a Previdência em julho


JULIANNA SOFIA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O governo não vai conseguir segurar o déficit da Previdência Social nos R$ 32 bilhões previstos para este ano. A meta -que foi estabelecida em março durante o anúncio do pacote de medidas para reduzir o desequilíbrio nas contas da Previdência- deverá ser revista nos próximos dias.
Em entrevista à Folha, o ministro da pasta, Nelson Machado, admitiu que será preciso alterar a portaria que fixa a meta para 2005. "Talvez a portaria tenha que ser revista. Parece-me que ela [a meta] é excessivamente ambiciosa", disse o ministro.
Machado adiantou ainda que o governo prepara um decreto para alterar a estrutura do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Serão extintas as nove superintendências espalhadas pelo país. Para reforçar o combate a filas e fraudes, será criada a diretoria de atendimento. O novo organograma também contará com cinco novas gerências regionais.
Para o ministro, um dos entusiastas da Super-Receita (fusão das secretarias de Receita Previdenciária e da Receita Federal), o novo órgão não esvazia o Ministério da Previdência. E diz: "O meu foco é atender o beneficiário e combater fraudes e desperdício. Esse é o pedaço que me sobrou".
Veja a seguir trechos da entrevista dada na última quarta-feira, antes do fechamento de acordo com grevistas do INSS para o encerramento da greve da categoria.

Folha - Como é assumir a Previdência com a visão de quem vem da área econômica, do Ministério do Planejamento?
Nelson Machado -
Minha trajetória profissional nos últimos 15 anos é ligada à modernização do setor estatal. Ao ser convidado para assumir a Previdência, claro, fiquei honrado, mas o meu método de trabalho seria praticamente o mesmo. O primeiro problema da Previdência era a existência de duas máquinas arrecadadoras: do crédito tributário e das contribuições previdenciárias. Eu já tinha trabalhado nesse projeto lá no Planejamento, no sentido de fazer a unificação, que considero fundamental porque terá o condão de combater a sonegação, reduzir custos administrativos e custos sistêmicos das empresas. É fundamental que a medida provisória seja aprovada pelo Congresso.

Folha - Mas a unificação esvazia o Ministério da Previdência, que passará a cuidar só dos problemas, filas, fraudes...
Machado -
Não concordo. Do lado da Previdência, do INSS, é muito importante a separação porque agora vamos ter um foco melhor no negócio. É importante ter clareza, qual é o nosso negócio? Atender o nosso segurado. Isso é importante porque muda até a localização das agências. Hoje elas têm uma distribuição espacial porque tinham que atender dois negócios. Estar em um local onde os beneficiários tinham maior facilidade de acesso, mas também perto das empresas, que são as pagadoras. São dois públicos diferentes. Agora, teremos o foco no segurado, o que vai facilitar enormemente a gestão dos benefícios.

Folha - O sr. fala muito em atendimento. Mas e o problema crônico da Previdência, o déficit? O sr. é a favor da desvinculação do salário mínimo dos benefícios da Previdência como forma de reduzir despesas?
Machado -
O conjunto de benefícios pagos pela Previdência chega a R$ 140 bilhões por ano. É o maior programa de distribuição de renda do país. Nós atendemos 22 milhões de beneficiários. A pergunta que se coloca é: a sociedade tem condição de continuar pagando esse volume que tende a crescer? Essa é uma pergunta que quem tem que responder é a sociedade. O que eu estou me propondo na Previdência é focar na melhoria do atendimento, porque, assim, vamos reduzir as filas e as fraudes.

Folha - Mas isso não resolve o problema do déficit?
Machado -
Pode até ser que não resolva. Mas há uma lenda de que os benefícios indevidos chegam a 10% do total, isso quer dizer R$ 14 bilhões. Isso é igual ao que o governo federal investiu no ano passado. Já a desvinculação do salário mínimo é uma discussão recorrente. Eu participo dela como analista desde a década de 90. A desvinculação teria condição de colocar todos os benefícios sociais no mesmo patamar.
Hoje, existe o Bolsa-Família. São quase 9 milhões de famílias, que ganham mais ou menos R$ 100. Do outro lado, temos 2,8 milhões de beneficiários da Loas [Lei Orgânica da Assistência Social] que recebem o salário mínimo. Então, nós temos aí uma dicotomia. Além disso, talvez a vinculação do salário mínimo seja complicada porque amarra o montante do salário mínimo para os trabalhadores da ativa. Mas a discussão é: qual conjunto da sociedade queremos incluir na renda e no consumo? Essa discussão deve ser feita com profundidade, mas não é a minha preocupação principal neste momento.

Folha - Que medidas o sr. estuda para resolver o problema do atendimento? O sr. é o quarto ministro da Previdência neste governo. Qual será sua marca pessoal?
Machado -
Não há solução mágica. Nós temos um tripé para poder fazer mudanças. O primeiro é a motivação e a capacitação dos servidores. Estamos preparando um programa de trabalho, um modelo de atendimento, que já foi testado em São Paulo em cinco agências. Trata-se de um modelo com visão participativa dos funcionários, mudando a visão "fordista" de trabalho para uma visão integrada. Queremos implantá-lo nas cem maiores agências do país, assim que acabar a greve. O segundo ponto é o investimento maciço em tecnologia da informação. Hoje temos grandes dificuldades, nossa rede está carregada, temos problemas com máquinas. Por isso vamos investir, priorizando essas cem agências, que concentram 80% do atendimento. O terceiro ponto é que a organização precisa estar amarrada, aderente a esses objetivos. É preciso mexer na organização.

Folha - Que tipo de mudança?
Machado -
A estrutura organizacional do INSS é difícil de ser comandada. Há uma diretoria colegiada, nove superintendências, que não têm linha de comando; depois 102 gerentes-executivos e 1.270 agências. É muito difícil pensar que 102 gerentes tenham uniformidade de ação sendo comandados por uma diretoria colegiada que não tem acompanhamento de resultados. Vamos fazer uma proposta de alteração de estrutura e apresentá-la ao presidente. Queremos criar uma diretoria de atendimento. Hoje temos três: recursos humanos, administração de finanças e benefícios. Vamos criar uma de atendimento, porque agora esse é o foco. Vamos extinguir as superintendências e criar gerências regionais para absorver parte das atribuições das gerências executivas. A parte de logística e compras ficaria com a gerência regional, que também focará no atendimento, mas não vai discutir o benefício. Vai garantir que a agência tenha condição de prestar o melhor serviço.

Folha - Com essa mudança de foco, lidar com o déficit deixa de ser prioridade para o ministério? O sr. não acha a meta de déficit para este ano muito ambiciosa?
Machado
- Nessa questão do déficit agora eu arrumei um sócio, o [ministro Antonio] Palocci. Eu cuido de pagar, e ele cuida de arrumar receita. O meu foco é atendimento e combater fraudes e desperdício. Esse é o pedaço que me sobrou. Mas eu ainda não me detive em reanalisar a meta de déficit. As metas foram colocadas em uma portaria do ministério. Talvez a portaria tenha que ser revista. Você tem razão. Parece-me que ela é excessivamente ambiciosa.

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