São Paulo, quarta-feira, 15 de setembro de 2004

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OLHAR ESTRANGEIRO

Avanço nos mercados externos tem base sólida, diz jornal inglês

Brasil chega à maturidade global

DO "FINANCIAL TIMES"

A imagem internacional dominante do Brasil na década passada, de futebol, carnaval e bossa nova, está mudando lentamente. Muitas empresas brasileiras estão tendo êxito no mercado global usando design original apoiado em marketing agressivo, gestão inovadora e custos baixos.
Das pequenas fábricas de sapatos e móveis às imensas siderúrgicas e montadoras de automóveis, empresas de todo o Brasil foram infectadas pela febre da exportação. Ao longo dos dois últimos anos, de setembro de 2002 a agosto último, as vendas externas cresceram 63%, para US$ 89 bilhões.
Tradicionalmente uma das economias mais isoladas do mundo, o maior país da América Latina parece enfim estar a caminho de fazer sentir seu peso nos mercados mundiais. As exportações agora equivalem a 17% do Produto Interno Bruto (PIB), ante apenas 6,5% em 1998. Numerosos setores, do aço aos automóveis, passando pela agricultura e o setor de papel e celulose, registraram maciço investimento de capital.
Ao mesmo tempo, o dinamismo econômico vem sendo acompanhado por uma política externa mais ativa e mais firme. Sob Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente esquerdista que assumiu em 2003, o Brasil está levando adiante seus planos de integração regional, que incluem acordos comerciais e projetos de infra-estrutura. E começou a assumir uma liderança entre as nações mais pobres.
No ano passado, o Brasil ajudou a lançar o G20, uma aliança de países em desenvolvimento, reforçando a voz dos países pobres e exportadores de produtos agrícolas na Organização Mundial do Comércio (OMC). A iniciativa brasileira ajudou a manter as negociações mundiais de comércio nos trilhos, depois dos revezes registrados na conferência de Cancún, em 2003. Subseqüentemente, o Brasil venceu duas disputas judiciais históricas que aumentaram a pressão sobre a Europa e os EUA para que desmantelem seus subsídios à agricultura. O chanceler Celso Amorim não tem dúvidas sobre a mudança no humor nacional: "As pessoas estão mais conscientes. O Brasil ocupava uma posição frágil. Agora, temos um selo de qualidade: uma política econômica confiável".
Lula merece algum crédito pela vitória nas exportações. Mas foi seu predecessor, Fernando Henrique Cardoso, que instalou boa parte da estrutura econômica e política necessária.
Sustentado por um sistema de paridade cambial fixa, o plano Real, adotado em 1994, colocou a inflação sob controle, estimulando o investimento empresarial. A liberalização do comércio, iniciada ainda mais cedo, mas concretizada sob Cardoso, tornou as empresas brasileiras mais competitivas. A privatização, nos anos 90, liberou as ineficientes estatais, e os grandes e desajeitados conglomerados se tornaram mais objetivos, para sobreviver.
Ironicamente, a crise financeira de 1999 também propiciou benefícios. A desvalorização de 67% que a moeda brasileira sofreu como resultado, e o regime de taxas de câmbio livres então adotado, ajudaram a restaurar a competitividade, enquanto os executivos das empresas brasileiras se viram forçados a prestar atenção no exterior como fonte de potenciais vendas, devido à queda dos mercados brasileiros.
Quando Lula assumiu, em janeiro de 2003, a economia internacional estava começando a se recuperar. O crescimento chinês alimentou altas acentuadas nos preços do minério de ferro, da soja e de outras commodities nas quais o Brasil há muito detém vantagem competitiva.
A diplomacia comercial ativa de Lula encorajou muitos empresários a procurar mercados fora do país pela primeira vez. Ele liderou as maiores missões comerciais brasileiras a países como China, Índia e África do Sul, ajudando a garantir contratos.
Um crescimento ainda maior nas exportações, no entanto, pode enfrentar obstáculos. Qualquer desaceleração na economia mundial, especialmente um recuo na China, pode solapar a demanda por muitos dos produtos brasileiros. O Brasil também precisa seguir em sua abertura de mercados e, a despeito dos progressos recentes, o desfecho das negociações comerciais continua incerto.
Em segundo lugar, as indústrias brasileiras estão em média operando com cerca de 85% de sua capacidade. À medida que a economia se recupera, a alta da demanda pode roubar produção aos mercados de exportação.
Terceiro, financiar as exportações continua difícil. As taxas anuais de juros para as empresas continuam a ser de em média 35%, em termos ponderados pela inflação, muito acima das de seus concorrentes internacionais.
Talvez o problema mais urgente seja a infra-estrutura, como estradas e portos, que se tornou inadequada. De acordo com uma estimativa, os custos de transporte são duas vezes maiores que os da China ou os da Rússia.
No entanto, o Brasil ocupa hoje posição melhor que nunca para resistir a uma desaceleração dos mercados. Há diversos motivos para crer que a expansão das exportações possa se sustentar.
Primeiro, a despeito das quedas recentes nos preços das commodities, muitos economistas argumentam que as condições de alta atuais são parte de uma tendência de longo prazo. A entrada da China e da Índia nos mercados ajudará a sustentar a demanda e reduzirá o impacto das quedas cíclicas.
Além disso, as vantagens competitivas -terra fértil abundante, recursos minerais, energia hidrelétrica barata e baixos custos de mão-de-obra- significam que o país é mais capaz de defender sua fatia de mercado do que os rivais.
O mais importante é que o boom de exportações se alargou e aprofundou. Em seus esforços por garantir crescimento e longo prazo, o Brasil ainda terá de enfrentar muitos obstáculos. Mas não há dúvida de que o país vem explorando novos territórios. Depois de meio século de experiência no coração da indústria brasileira, Jorge Gerdau, 67, presidente da siderúrgica Gerdau, está mais confiante que nunca. "Essa não é a primeira tentativa do Brasil para se tornar uma potência exportadora. Mas é a mais promissora."


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