São Paulo, quarta-feira, 15 de setembro de 2004

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LUÍS NASSIF

A nova doutrina

O país está atravessando atualmente uma mudança de paradigmas similar ao que ocorreu na primeira metade dos anos 90. Na época, as mudanças refletiam a queda do Muro de Berlim e a abertura da economia brasileira. Agora, refletem dois fenômenos: a eleição do primeiro partido de esquerda, o PT, sua tentativa de ocupar o espectro do centro-esquerda; e o início do processo de pensar o país como nação e de o tema interesse nacional começar a entrar no debate público.
Esses dois fenômenos dão um nó na maneira convencional de pensar o país e explicam o comportamento de perplexidade de muitos analistas. O conceito de interesse nacional, se bem colocado, subverte completamente a lógica do conflito que sempre imperou nas relações econômicas e sociais.
O conceito do interesse nacional tem que ser inclusivo, tem que somar forças, tem que ser projeto de nação, não de partido ou de governo. Não é coincidência que surja no momento em que o país avançou em muitas frentes na idéia da colaboração.
Hoje em dia, os pactos nas cadeias produtivas substituem os freqüentes atritos do passado, entre compradores e fornecedores. No sindicalismo, vêem-se as centrais sindicais e a CNI (Confederação Nacional da Indústria) discutindo projetos de país.
No plano ideológico, o que ocorre é o encurtamento do espaço da esquerda mais radical, hoje restrita ao PSTU e às universidades públicas. No campo, o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) continua dependente do Estado e do desemprego.
O fato de o Brasil ter se convertido em uma sociedade complexa muda o cenário do embate das idéias. O velho conceito de doutrinação tem que ser substituído por processos menos rígidos. As doutrinas (como corpo fechado de idéias) floresciam porque havia uma sociedade simples, não organizada, com os demais setores não desenvolvendo conceitos ou paradigmas próprios.
Em uma sociedade complexa, a quantidade de atores políticos é muito mais ampla. É o CEO da multinacional, é a grande empresa nacional, são os sindicatos, é a comunidade científico-tecnológica, são os grupos de qualidade, são as pequenas empresas, em um emaranhado matricial. Por exemplo, é possível que o mesmo conjunto de empresas tenha sua comunidade de soldados da inovação, da qualidade, do voluntariado, ou entre os mesmos grupos ou em grupos diferentes.
Essa sofisticação impede a pasteurização de pensamento -característica do ativismo doutrinário. Exige que as idéias fortes, integradoras, sejam difundidas, não impostas e apropriadas pelos diversos grupos sociais e técnicos.
Por exemplo, as idéias da mundialização, da integração com a América do Sul, da integração competitiva do país são suficientemente fortes e horizontais para serem integradoras. Permitem que cada soldado da qualidade e da inovação, cada executivo, cada sindicato vislumbre o mesmo objetivo final na sua ação. É essa visão de conjunto, não imposta, que permitirá romper com a dependência mental que caracteriza as sociedades subdesenvolvidas.

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