São Paulo, sexta-feira, 15 de setembro de 2006

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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

A economia reage sempre

AS ECONOMIAS modernas sempre apresentam reações racionais aos estímulos de mercado ou da política econômica dos governos. O que diferencia os vários países é a intensidade e a rapidez dessas reações. Elas são mais intensas e rápidas nas economias com maior flexibilidade e eficiência e demoram mais a acontecer nos países com mercados mais controlados e com ineficiências operacionais. Já falei, em outra oportunidade, sobre a influência poderosa que uma Bolsa de Futuros, como a nossa BM&F, exerce hoje no processo de ajuste de uma economia de mercado.
Mas, independentemente da eficiência de uma economia, as reações sempre ocorrem. Tomemos o exemplo do Brasil nestes últimos anos. A extraordinária virada estrutural em nosso balanço de pagamentos provocou uma mudança sensível em nosso sistema econômico. Libertada do fantasma de uma crise externa sempre iminente, característica dos anos anteriores a 2004, a economia brasileira passou a trabalhar com riscos muito menores, principalmente no que se refere ao clássico e recorrente círculo vicioso: súbita desvalorização cambial, aumento da inflação e aperto na política monetária. O resultado é uma modificação importante no funcionamento da economia, que ainda não foi devidamente debatida e compreendida.
Nesta coluna, quero refletir sobre os impactos da forte influência do governo, no contexto atual de ampla disponibilidade de dólares, em dois dos preços mais importantes da economia: a taxa de câmbio e os juros.
Esses preços estão sendo monitorados com mão-de-ferro, e a equipe econômica não permite que respondam às condições vigentes, principalmente os juros. Em razão disso, a economia reage, criando forças próprias que não apareceriam se a política econômica atual estivesse sendo operada com o diagnóstico correto e esses preços refletissem melhor o que está acontecendo.
Como se dá isso? O ajuste externo permitiu -e continuará a fazê-lo- a estabilização da taxa de câmbio em nível valorizado, incentivando os agentes econômicos a ativar cada vez mais os canais de importação (também tenho mencionado na coluna que a má qualidade da política econômica implica "vazamento" crescente do crescimento para o exterior). A redução do risco externo, o câmbio valorizado e o aumento das importações são fatores determinantes para a rápida redução da inflação. Nem mesmo os fatores temidos pelo Copom -a eleitoreira expansão fiscal, o aumento do crédito e os efeitos da redução, modesta, dos juros nos últimos nove meses- têm sido suficientes para interromper a queda da taxa de inflação.
É cada vez mais evidente que o ajuste externo da economia brasileira permite que o país trabalhe com uma taxa de juros real muito abaixo da que vigorou no passado recente.
A taxa de juros deveria estar sendo reduzida mais rapidamente, e a lentidão do Copom só pode ser explicada por uma visão equivocada das forças dominantes no contexto atual, mesmo após serem considerados os riscos. O resultado é uma taxa de inflação muito inferior à meta explicitamente perseguida pelo Banco Central e um crescimento econômico também abaixo do potencial, que, diga-se de passagem, também não é nenhuma maravilha.
A inflação medida pelo IPCA deve fechar o ano ao redor de 3%, e não vejo por que não possa ficar no mesmo nível em 2007. Digo isso porque trabalho com um cenário de baixa volatilidade da taxa de câmbio e crescente competição das importações, em razão de dois fatores. Primeiro porque nossos canais de importação estão se sofisticando e aumentando sua abrangência.


O ajuste externo permite que o país trabalhe com juro real menor do que aquele que vigorou no passado recente

Em segundo lugar, porque a desaceleração da economia americana vai aumentar os esforços de exportação dos chineses para outros mercados. Voltarei a esse tema, pois tenho recebido informações importantes dos movimentos chineses na América Latina e que afetarão nossa economia já em 2007.
Com câmbio estável e pressão maior das importações, o cenário da inflação deve ser benigno, e nosso crescimento econômico pode até ser menor que o de 2006. Como o Banco Central parece não estar considerando adequadamente os fenômenos descritos, os juros estarão sempre acima do necessário para restaurar o crescimento sem comprometer a meta de inflação. Em razão dessas distorções, a economia vai responder com menos inflação e menos crescimento econômico. Será sua vingança.

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS , 63, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

lcmb2@terra.com.br


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