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CULTURA
País deve ser único a votar contra
EUA ficam isolados em acordo de diversidade
ALAN RIDING
DO "NEW YORK TIMES"
Dois anos atrás, em um gesto
atípico em direção ao multilateralismo, o governo Bush encerrou
um boicote de 19 anos à Unesco
(Organização Educacional, Científica e Cultural da ONU). Hoje, os
EUA correm o risco de um isolamento total na organização de 191
membros como único país contrário a uma nova convenção sobre a diversidade cultural.
Até recentemente, as diferenças
se resumiam a frases diplomáticas obscuras. Mas, na contagem
regressiva para a votação decisiva
na próxima semana, as negociações tornaram-se mais ácidas, a
disputa assumiu significado político e até levantou dúvidas sobre o
papel dos EUA na Unesco.
Os defensores da convenção
afirmam que o tratado vai proteger e promover a diversidade cultural diante da globalização, mas
os EUA acreditam que seu verdadeiro objetivo é restringir as exportações de produtos audiovisuais americanos.
Na próxima quinta-feira, quando a convenção será finalmente
votada na sede da Unesco, em Paris, tudo sugere que os EUA serão
o único país a votar contra.
Os lobbies de última hora continuam tentando evitar um resultado de todos contra um, com a
União Européia, cujo atual presidente é o Reino Unido, pedindo
que os EUA participem do consenso. Envergonhado por estar
em posição conflitante com Washington, o Reino Unido insiste
que a convenção não representa
nenhum dos perigos identificados pelo governo Bush.
Mas Washington não está convencida. Na semana passada, a secretária de Estado, Condoleezza
Rice, escreveu aos governos-membros expressando "profunda preocupação" sobre a convenção e advertindo que ela "só vai
prejudicar a imagem da Unesco e
semear confusão e conflito, em
vez de cooperação".
Patrocinada pela França e pelo
Canadá, países que há muito
usam subsídios e cotas para ajudar suas indústrias de cinema, televisão e rádio a conter a cultura
americana, a convenção da Unesco foi inspirada em um desejo de
proteger a cultura dos acordos de
liberalização do comércio.
Mas o esboço final está aquém
das intenções originais. Na verdade, como não tem forças para
aplicar seus princípios, muitos especialistas acreditam que ela terá
pequeno impacto sobre o mercado já globalizado de produtos culturais, em que a Bollywood indiana, os filmes de animação japoneses e as novelas de televisão brasileiras e mexicanas têm lugar ao lado dos sucessos de Hollywood.
No entanto, os EUA acreditam
que o rascunho final deixa lugar
para mal-entendidos que poderiam permitir que os governos
controlassem a cultura, até mesmo por meio de censura, bloqueando o livre fluxo de idéias
-seu eufemismo para as exportações hollywoodianas.
Em um sentido, é claro, mais
um voto contra dos EUA na semana que vem pouco mudará. A
convenção será aprovada e, quando ratificada por 30 países, entrará em vigor. Os EUA não vão assiná-la e, assim como no caso do
Protocolo de Kyoto sobre o clima
global, provavelmente continuarão sendo um elemento colateral
crítico e talvez obstrucionista.
Mais preocupante para algumas
autoridades da Unesco, entretanto, é o prejuízo político causado
por uma convenção que, daqui a
alguns anos, poderá se juntar a
muitos outros tratados internacionais esquecidos. Na opinião
delas, o principal significado da
convenção é como símbolo de
que os EUA e alguns de seus aliados mais próximos vêem o mundo de maneira diferente -e não
apenas no aspecto cultural.
Diante da relativa fraqueza do
esboço final, alguns chegam a dizer que a convenção precisa da
oposição americana: sem ela, talvez não haja motivos para proclamar a vitória sobre a homogeneidade cultural à americana.
A questão chave agora é se, vendo-se isolados, os EUA vão retaliar, por exemplo cortando sua
contribuição monetária para a organização, que representa 22% do
orçamento da Unesco. A entidade
não deixa de ter amigos em Washington, onde seus programas
educacionais gozam de apoio.
Mas críticos da Unesco no Congresso podem se sentir vingados.
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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