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União desvia R$ 16 bi de telecomunicações
Só 9,7% da arrecadação de 3 fundos do setor foi usado para fiscalização e aumento do acesso a telefonia e internet, entre 2001 e 2005
Governo destinou a maior
parte dos recursos para o
financiamento das contas
públicas; secretário defende
um "reestudo" do sistema
ELVIRA LOBATO
DA SUCURSAL DO RIO
Ao menos R$ 15,8 bilhões arrecadados do setor de telecomunicações nos últimos cinco
anos para equipar o governo na
fiscalização do próprio setor,
custear pesquisas e universalizar o acesso à telefonia e à internet, foram desviados para o
financiamento das contas públicas.
A cifra refere-se à arrecadação de três fundos públicos
-Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações), Funttel (Fundo Para
o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações) e
Fistel (Fundo de Fiscalização
das Telecomunicações). De
2001 a 2005, eles arrecadaram
R$ 17,5 bilhões, dos quais só
R$ 1,7 bilhão (9,7%) foi gasto
nas finalidades previstas.
Cada celular em operação no
Brasil -e eles já somam 95 milhões- contribui para o fundo
de fiscalização com uma taxa de
R$ 26 no momento da habilitação, mais uma taxa anual de R$
13. Criado há 40 anos, o Fistel
tem arrecadação que disparou
com a privatização da telefonia
e a popularização dos celulares.
Entre 2001 e 2005, o Fistel
arrecadou R$ 12,45 bilhões.
Neste ano, as projeções são de
R$ 2,5 bilhões de arrecadação
ao menos. Contribuem para o
fundo desde as empresas de radiotáxi até emissoras de televisão, companhias telefônicas,
TVs a cabo e operadoras de serviços de satélite.
Pela lei, o dinheiro do Fistel
deveria ser destinado à manutenção da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações),
órgão regulador responsável
pela fiscalização. Mas não é o
que acontece. No ano passado,
ela recebeu R$ 231 milhões, de
um total de R$ 2,056 bilhões
arrecadados pelo Fistel.
Falta de recursos
Enquanto isso, a agência reclama que não tem dinheiro para cumprir seu papel. Em entrevista à Folha, o superintendente de Radiofreqüência e de
Fiscalização, Edilson Santos,
disse que até 2002 a agência
administrava o dinheiro do
Fistel, retirava o necessário à
sua manutenção e repassava o
resto ao Tesouro Nacional.
Mas a mão se inverteu: o Tesouro passou a arrecadar o Fistel. A agência ficou sujeita ao
Orçamento da União e à política de contingenciamento.
A Anatel apresentou um orçamento de R$ 500 milhões
para este ano. Como recebeu
menos da metade, reduziu as
ações de fiscalização. Sem dinheiro para diárias de viagem,
a fiscalização foi concentrada
nas cidades. Além disso, a fiscalização é reativa: a Anatel só fiscaliza mediante denúncia.
Muitas irregularidades não são
apuradas.
Repensar o modelo
O secretário de Telecomunicações do Ministério das Comunicações, Roberto Pinto
Martins, defendeu um reestudo do Fistel. ""Quando uma parte substancial da arrecadação
vai para outras finalidades, é
hora de repensar o modelo,
porque o custo recai sobre os
usuários", afirmou.
A Abert (Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e de
Televisão) queixa-se de que
existem 15 mil rádios ilegais ou
clandestinas (com autorização
pendente) em operação, para
4.000 emissoras de rádio comercial e educativas e 2.500 rádios comunitárias autorizadas
em funcionamento.
O presidente da Abert, Daniel Pimentel Slaviero, diz que
o setor gostaria que houvesse
um combate efetivo da Anatel à
pirataria. A agência argumenta
que 90% das rádios piratas autuadas são reincidentes.
Contribuem para o Fistel todas as empresas que usam o espectro de freqüência -como
emissoras de rádio e de televisão-, as TVs a cabo e as companhias telefônicas.
Fracasso do Fust
O Fust e o Funttel foram
criados no governo Fernando
Henrique Cardoso, no rastro da
privatização. Ambos foram instituídos no ano 2000 e são cobrados com base na receita
operacional bruta das operadoras de telefonia: 1% no caso do
Fust e 0,5% no caso do Funttel.
O Fust incide também sobre as
receitas do governo com a venda das licenças de serviços de
telecomunicações.
Segundo dados do governo, o
Fust arrecadou R$ 3,98 bilhões
até dezembro do ano passado.
As projeções da Anatel indicam
que o saldo deve atingir R$ 5 bilhões até o final do ano. Até hoje, nenhum centavo do Fust foi
aplicado nos objetivos previstos na lei que o criou. Toda a arrecadação foi usada para produzir superávit primário.
Em 2001, a Anatel lançou um
edital de licitação para instalar
uma grande rede de banda larga que integrasse as escolas públicas pela internet. O objetivo
era instalar, em um ano, 290
mil computadores com acesso
à internet em 13 mil escolas de
ensino médio e profissionalizante, que somavam 7 milhões
de alunos.
O projeto nem chegou a decolar. Os deputados federais
Walter Pinheiro (PT-BA) e Sérgio Miranda (PC do B-MG) entraram com ação judicial, e a licitação foi suspensa. A licitação
era restrita às concessionárias
de telefonia fixa, que teriam, inclusive, que comprar os computadores. Os deputados alegaram que todas as empresas que
contribuíam para o Fust (como
as TVs a cabo) deveriam participar,e que o edital privilegiava
as monopolistas.
Depois vieram outros questionamentos. O MEC (Ministério da Educação e Cultura) quis
os computadores com software
Windows. Os concorrentes reagiram e defenderam software
livre. O TCU (Tribunal de Contas da União) entrou na discussão, e a Anatel acabou revogando o edital.
""Os interesses econômicos
envolvidos foram enormes, e o
governo não teve coragem política de enfrentar o debate",
afirma o deputado Sérgio Miranda, que diz não se arrepender de ter questionado a licitação na Justiça.
Funttel
Dos três fundos públicos, o
Funttel é o que está mais de
acordo com o previsto na lei. De
R$ 1,058 bilhão arrecadado de
2001 a 2005, metade - R$ 540
milhões- foi gasta no financiamento de pesquisas sobre TV
digital e de projetos de redes de
internet, e o resto foi para o Tesouro.
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