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OPINIÃO ECONÔMICA
Inflação: a volta da Velha Senhora
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Depois de muito tempo, a
inflação voltou a ser manchete dos grandes jornais brasileiros. Os terríveis índices de outubro, com alguns deles beirando os
20% ao ano para os últimos 12
meses, assustaram a todos os brasileiros que não acompanham,
por dever profissional, as estatísticas econômicas. O susto foi tão
grande, e o estrago sobre as expectativas, tão destruidor, que até o
presidente eleito Lula desceu de
seu pedestal para garantir que
não vai deixar a Velha Senhora
voltar em seu governo.
Impossível, portanto, não refletir sobre a volta da inflação nesta
minha coluna semanal. Ela representa um retrocesso muito
grande para nossa economia e faz
com que os oito anos de FHC terminem com um gosto amargo de
fracasso, em relação ao que foi
sempre apresentado como seu
grande triunfo: a estabilidade de
nossa moeda. Por outro lado, representa uma armadilha da história para o PT, partido que sempre procurou desqualificar a importância da estabilidade na
agenda de ações do governo, em
busca da felicidade geral das
massas.
Como em sua campanha Lula
foi obrigado a prometer ao eleitor
que manteria a estabilidade dos
preços, esse problema agora é seu.
Por isso, neste momento de volta
da inflação, ele vai ter que dar
continuidade à política recessiva
dos últimos anos. Os índices de
preços de outubro são ruins para
Fernando Henrique e sua passagem para ator de nossa história,
mas são bem piores para Lula,
que está iniciando seu reinado
com grandes expectativas da população.
Mas vamos aos fatos e sua verdadeira dimensão econômica. A
inflação medida pelo IGP, índice
de preços calculado há muitos
anos pela Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro e que mistura preços ao varejo com preços
medidos ao nível do atacado, foi
superior a 4% em outubro passado e de mais de 17% nos últimos
12 meses. Um número robusto,
para dizer pouco! A cesta básica,
também calculada por instituições fora do governo, como o Procon e o Dieese, também apresenta, para o período de um ano,
uma variação próxima dos 20%.
Portanto a questão da inflação já
atinge um nível de gravidade extrema e deve preocupar a todos.
Vamos agora tentar refletir sobre as causas desse retorno triunfante da Velha Senhora. Existe
em relação a isso uma unanimidade quase burra entre os economistas. Como nem o mais delirante dos ortodoxos atribuiria a
essa volta da inflação causas monetárias -excesso de moeda-
ou de poder de compra na economia -ou por conta de déficits fiscais expressivos, ou excesso de crédito para o setor privado, ou aumentos reais de salários-, chega-se facilmente ao grande vilão
dessa história, que é a forte depreciação do real, nestes últimos meses. Em uma economia em que
boa parte da cesta de consumo interno está atrelada ao valor do
dólar, seja por depender de produtos importados ou de produtos
que também são exportados, como soja, carne e outros itens, essa
relação entre desvalorização
cambial e inflação é direta.
Acontece que esse vilão -a depreciação cambial- é também
nosso grande aliado na batalha
quase mortal de manter a economia solvente com o exterior. Ele
está disposto a combater ao nosso
lado nos campos virtuais dos
mercados financeiros, mas exige,
como contrapartida, uma queda
do poder aquisitivo de nossa moeda com perda de renda ou patrimônio para pessoas e empresas. A
inflação é que faz esse serviço sujo
sobre os olhares frios e vigilantes
da equipe econômica. Portanto a
volta da inflação não é um problema isolado, mas sim a parte
difícil e dura dessa verdadeira cirurgia a peito aberto, que é o processo de ajuste externo em curso.
E, para que ela seja eficiente, os
salários dos trabalhadores precisam reduzir-se em termos de poder de compra de mercadorias e
serviços e as empresas que devem
em dólares têm que entregar uma
parcela importante de seu patrimônio.
Procurando ser mais claro sobre
esse processo, digo que essa inflação, gerada pela passagem do dólar de uma cotação da ordem de
R$ 2,50 para algo próximo a R$
3,50, tem que ser absorvida pela
perda de renda dos brasileiros, sejam eles indivíduos assalariados,
empresas com passivos em dólar e
contribuintes do leão. Não podemos nos esquecer de que o grande
devedor em dólares é o Tesouro
Federal. Se isso acontecer, daqui a
alguns meses a inflação vai estabilizar-se a níveis mais civilizados
pelo fato de a cotação do dólar
tender a um certo equilíbrio, em
um patamar que garanta ao Brasil a manutenção de um excedente em nossa balança comercial,
da ordem de US$ 15 bilhões
anuais.
A saída desse verdadeiro limbo
econômico vai depender da capacidade do novo governo de ter um
diagnóstico correto sobre as causas desse imbróglio e de promover
o mais rápido possível uma redução estrutural de nosso déficit em
conta corrente. Isso, e só isso, pode
permitir o desarme da política
econômica recessiva atual e a volta do crescimento de nossa economia. Qualquer tentativa de buscar por mágica -e o economista
mágico é uma ameaça à vida de
todos nós- ou por voluntarismo
político sair dessa situação terrível em que nos metemos será um
desastre para todos. Felizmente
parece que a direção do PT está
consciente disso e disposta a exercer toda a sua disciplina interna,
a fim de evitar um passo em falso.
Mas que vai ser muito difícil a
gestão de nossa economia em
2003 não tenham meus leitores
dúvida nenhuma. E o presidente
Lula vai perder boa parte de seu
apoio atual!
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 59,
engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e
ministro das Comunicações (governo
FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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