São Paulo, sexta-feira, 15 de novembro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Inflação: a volta da Velha Senhora

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Depois de muito tempo, a inflação voltou a ser manchete dos grandes jornais brasileiros. Os terríveis índices de outubro, com alguns deles beirando os 20% ao ano para os últimos 12 meses, assustaram a todos os brasileiros que não acompanham, por dever profissional, as estatísticas econômicas. O susto foi tão grande, e o estrago sobre as expectativas, tão destruidor, que até o presidente eleito Lula desceu de seu pedestal para garantir que não vai deixar a Velha Senhora voltar em seu governo.
Impossível, portanto, não refletir sobre a volta da inflação nesta minha coluna semanal. Ela representa um retrocesso muito grande para nossa economia e faz com que os oito anos de FHC terminem com um gosto amargo de fracasso, em relação ao que foi sempre apresentado como seu grande triunfo: a estabilidade de nossa moeda. Por outro lado, representa uma armadilha da história para o PT, partido que sempre procurou desqualificar a importância da estabilidade na agenda de ações do governo, em busca da felicidade geral das massas.
Como em sua campanha Lula foi obrigado a prometer ao eleitor que manteria a estabilidade dos preços, esse problema agora é seu. Por isso, neste momento de volta da inflação, ele vai ter que dar continuidade à política recessiva dos últimos anos. Os índices de preços de outubro são ruins para Fernando Henrique e sua passagem para ator de nossa história, mas são bem piores para Lula, que está iniciando seu reinado com grandes expectativas da população.
Mas vamos aos fatos e sua verdadeira dimensão econômica. A inflação medida pelo IGP, índice de preços calculado há muitos anos pela Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro e que mistura preços ao varejo com preços medidos ao nível do atacado, foi superior a 4% em outubro passado e de mais de 17% nos últimos 12 meses. Um número robusto, para dizer pouco! A cesta básica, também calculada por instituições fora do governo, como o Procon e o Dieese, também apresenta, para o período de um ano, uma variação próxima dos 20%. Portanto a questão da inflação já atinge um nível de gravidade extrema e deve preocupar a todos.
Vamos agora tentar refletir sobre as causas desse retorno triunfante da Velha Senhora. Existe em relação a isso uma unanimidade quase burra entre os economistas. Como nem o mais delirante dos ortodoxos atribuiria a essa volta da inflação causas monetárias -excesso de moeda- ou de poder de compra na economia -ou por conta de déficits fiscais expressivos, ou excesso de crédito para o setor privado, ou aumentos reais de salários-, chega-se facilmente ao grande vilão dessa história, que é a forte depreciação do real, nestes últimos meses. Em uma economia em que boa parte da cesta de consumo interno está atrelada ao valor do dólar, seja por depender de produtos importados ou de produtos que também são exportados, como soja, carne e outros itens, essa relação entre desvalorização cambial e inflação é direta.
Acontece que esse vilão -a depreciação cambial- é também nosso grande aliado na batalha quase mortal de manter a economia solvente com o exterior. Ele está disposto a combater ao nosso lado nos campos virtuais dos mercados financeiros, mas exige, como contrapartida, uma queda do poder aquisitivo de nossa moeda com perda de renda ou patrimônio para pessoas e empresas. A inflação é que faz esse serviço sujo sobre os olhares frios e vigilantes da equipe econômica. Portanto a volta da inflação não é um problema isolado, mas sim a parte difícil e dura dessa verdadeira cirurgia a peito aberto, que é o processo de ajuste externo em curso. E, para que ela seja eficiente, os salários dos trabalhadores precisam reduzir-se em termos de poder de compra de mercadorias e serviços e as empresas que devem em dólares têm que entregar uma parcela importante de seu patrimônio.
Procurando ser mais claro sobre esse processo, digo que essa inflação, gerada pela passagem do dólar de uma cotação da ordem de R$ 2,50 para algo próximo a R$ 3,50, tem que ser absorvida pela perda de renda dos brasileiros, sejam eles indivíduos assalariados, empresas com passivos em dólar e contribuintes do leão. Não podemos nos esquecer de que o grande devedor em dólares é o Tesouro Federal. Se isso acontecer, daqui a alguns meses a inflação vai estabilizar-se a níveis mais civilizados pelo fato de a cotação do dólar tender a um certo equilíbrio, em um patamar que garanta ao Brasil a manutenção de um excedente em nossa balança comercial, da ordem de US$ 15 bilhões anuais.
A saída desse verdadeiro limbo econômico vai depender da capacidade do novo governo de ter um diagnóstico correto sobre as causas desse imbróglio e de promover o mais rápido possível uma redução estrutural de nosso déficit em conta corrente. Isso, e só isso, pode permitir o desarme da política econômica recessiva atual e a volta do crescimento de nossa economia. Qualquer tentativa de buscar por mágica -e o economista mágico é uma ameaça à vida de todos nós- ou por voluntarismo político sair dessa situação terrível em que nos metemos será um desastre para todos. Felizmente parece que a direção do PT está consciente disso e disposta a exercer toda a sua disciplina interna, a fim de evitar um passo em falso. Mas que vai ser muito difícil a gestão de nossa economia em 2003 não tenham meus leitores dúvida nenhuma. E o presidente Lula vai perder boa parte de seu apoio atual!


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 59, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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