São Paulo, domingo, 15 de dezembro de 2002

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

Deflação e recessão acentuam a crise global

GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA

As cabeças que rolam diariamente nas grandes corporações e em alguns dos principais postos em governos de países industrializados são apenas a ponta do iceberg. A gravidade da crise global aumenta a cada dia.
O BCE (Banco Central Europeu) finalmente recuou, apresentando como justificativa uma dramática revisão para baixo nas suas previsões de crescimento econômico. O governo japonês anunciou mais um pacote de gastos para tentar reanimar a economia. Nos Estados Unidos, a decisão de reduzir ainda mais os juros também teve como pano de fundo um cenário dramático, deflacionário.
A decisão dos europeus admite duas leituras. A visão otimista é que os tecnocratas reconheceram uma realidade e admitiram uma mudança histórica, colocando o crescimento econômico entre suas metas de atuação. A pessimista é que os tecnocratas tomaram a decisão de reduzir os juros tarde demais.
Os números dramáticos, em vez de consolo, são apenas a evidência de que a flexibilização da política de juros veio tarde demais. No seu informe de dezembro, o BCE reduz sua previsão de crescimento em 2003 para o intervalo entre 1,1% e 2,1%.
É uma redução impressionante diante da projeção anterior, de evolução de até 3,1%. As previsões de inflação continuam praticamente iguais (até 2,3%, contra a estimativa anterior de até 2,5%). Em 2002, o crescimento não deve superar 1%.
Apesar da perspectiva de uma guerra entre os Estados Unidos e o Iraque, que naturalmente levaria à alta nos preços do petróleo, o desaquecimento mundial pesa mais.
Os países exportadores acabam de fechar um acordo para reduzir ainda mais a oferta do produto (em até 7%). O cartel contribui ao mesmo tempo para dificultar a queda de preços e a recuperação econômica. Quando a guerra vier, o quadro tende a se agravar.
O pacote anunciado pelo governo japonês é de US$ 35,6 bilhões. Mas ultrapassa o triplo desse valor quando empréstimos e garantias governamentais entram na conta.
Para a principal economia do mundo, no entanto, o quadro é ainda mais preocupante. A fragilidade do lado real (com investimento e produção contidos, tudo depende do ânimo dos consumidores) é uma das causas da deflação (redução generalizada dos preços).
Deflação que ao mesmo tempo torna essa fragilidade do lado real ainda maior, provocando um círculo vicioso que as reduções de juros até agora foram incapazes de vencer. No relatório divulgado na última quinta-feira, o Fed (banco central dos Estados Unidos) já menciona um "efeito de fragilização cumulativa" que desemboca em deflação.
A deflação torna ainda menos animadora a perspectiva de lucro das empresas. Mercados em contração e ainda por cima preços declinantes são uma combinação fatal.
Cada vez mais, fazer política econômica é sinônimo de administrar gigantescas massas falidas. O perfil da autoridade econômica nesse cenário normal é caracterizado no jargão do mercado como o de "operador".
A rigor, os "operadores" são inócuos. A imagem de alguém que opera bem (num banco central, por exemplo) aproxima-se da situação de um jogador que é muito hábil, supondo que as regras do jogo sejam estáveis.
Com deflação e recessão, rolam cada vez mais cabeças de "operadores". O jogo agora é outro, mas ninguém sabe quais são as suas regras ou quem tem legitimidade para fazer o papel de juiz.


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