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ENTREVISTA DA 2ª
ELIANA CARDOSO
Com sensatez, governo pode "enfrentar recessão sem passar por desastre", diz economista
Cortar juro funcionará mais do que elevar gastos públicos
AVESSA a falar em momentos como o atual, Eliana Cardoso, professora da Fundação Getulio
Vargas, afirma que os economistas "devem ser
mais humildes" para reconhecer que os instrumentos da política monetária têm efeito muito limitado para
combater a crise. Segundo ela, havia uma "ilusão" de que os
bancos centrais poderiam controlar os ciclos econômicos
com os juros. Mas diz que "cortar a taxa talvez seja uma política melhor no Brasil hoje do que aumentar gastos do governo".
TONI SCIARRETTA
DA REPORTAGEM LOCAL
A economista Eliana Cardoso afirma que, diante das "desilusões", o risco agora é o de os
governos adotarem novamente
políticas que se mostraram
equivocadas no passado. A professora da FGV defende que o
governo Lula tem de resistir às
pressões, para que não jogue fora as políticas que, segundo ela,
deram "bons frutos", como
câmbio flutuante, superávit
primário e metas de inflação.
FOLHA - Quais as lições que aprendemos com a crise atual?
ELIANA CARDOSO - Se você olhar
o que aconteceu no Brasil em
fevereiro de 1999, você teve o
colapso do real, o país adotou o
câmbio flutuante e as metas de
inflação. O sucesso desse regime foi fantástico. Em menos de
um ano, conseguiu estabilizar
uma situação em que todo
mundo dizia que se chegaria ao
final do ano com inflação de
50% -chegou em menos de
20%. A partir daí, a estabilidade
parecia mais ou menos garantida. Pouco tempo atrás, as pessoas começaram a se preocupar
se o sucesso era realmente devido a esse novo regime ou se
você tinha circunstâncias globais que favoreciam a queda da
inflação no mundo em geral. Isso porque alguns países, como
os EUA, também estavam conseguindo ter enorme estabilidade com crescimento alto. Até
aí tudo bem, não havia grandes
discussões.
FOLHA - O que a gente imaginava
antes que agora está em xeque?
ELIANA CARDOSO - A partir de
2003, quando os EUA entraram em um ciclo de crescimento acelerado, com taxas de inflação muito baixas -e isso refletido em risco muito baixo
para os emergentes-, houve
um enorme otimismo. Nesse
otimismo, veio a idéia de que
agora, sim, nós tínhamos um
regime em que tínhamos
aprendido a domar os ciclos
econômicos e que a política
monetária era muito poderosa.
Se você tivesse desemprego e
pressão para a inflação cair, a
taxa de juros poderia diminuir.
Num período de expansão, poderia aumentar a taxa de juros
para controlar a inflação e reduzir o nível de atividade. Havia essa ilusão de que nós estávamos livres dos ciclos de negócios. Se acontecesse alguma
coisa, o governo tinha os instrumentos para lidar com isso.
FOLHA - Mas aí veio a crise, o Fed
cortou os juros e não resolveu...
ELIANA CARDOSO - Em 2007,
quando se percebeu que iríamos ter essa crise financeira,
houve a continuidade dessa ilusão. O pico da atividade foi em
meados de 2007, mas vem o
corte das taxas de juros e você
acha que tudo vai se acomodar.
Em 2008, constata-se que, apesar de grandes cortes nas taxas
de juros e de socorro ao mercado financeiro, os EUA estão em
recessão há um ano. O choque
foi muito grande e o Fed não teve instrumento suficiente para
lidar com a crise. O poder do
governo de controlar o ciclo
econômico era uma grande ilusão. Pode reduzir o impacto,
mas também é limitado.
FOLHA - Quando se constata que
isso era uma ilusão, não se corre o
risco de tentar inventar a roda?
CARDOSO - Há um risco grande
de que a desilusão leve a medidas totalmente equivocadas. A
gente tem de ser um pouco cético em relação ao que sabe. Mas
existem coisas que a gente sabe:
que algumas medidas não dão
certo e que são insensatas. Querer propor, vamos dizer, um retorno a políticas do socialismo... Isso seria pior porque o
desastre do socialismo foi muito maior do que uma recessão
que vamos sofrer.
FOLHA - Como proceder então?
CARDOSO - É como na medicina. Um médico sabe que os conhecimentos da medicina são
limitados. Sabe que toca o câncer e a tuberculose com remédios diferentes, mas que o poder desses remédios é limitado.
O economista que faz política
econômica tem que ter o mesmo ceticismo do médico. Ele
sabe que algumas coisas permitem lidar com a inflação -por
exemplo, adotar uma política
monetária mais rígida-, mas
sabe muito menos a respeito do
que ocorre na economia quando você tem um colapso da
magnitude do atual. Tem de ter
um certo ceticismo, um certo
pragmatismo, a idéia de ir lidando com os problemas à medida que eles surgem, adotando
as políticas que são mais sensatas em determinados momentos. Nós não temos mais aquela
receita grandiosa que resolve
todos os problemas em qualquer circunstância.
FOLHA - O dinheiro também secou
por essa crise de confiança geral?
CARDOSO - Quando os EUA
protegeram o setor bancário,
todos os setores que não foram
protegidos passaram a ter problema. O setor protegido passou a atrair os recursos que estavam nos outros setores -os
países emergentes fazem parte
desses setores não protegidos.
Como o governo poderia proteger os nossos recursos? Se -e
aqui tem um "se" com letras
maiúsculas- controle de capital funcionasse, seria o caso. O
problema é que a experiência
mostra que não funciona. E,
além de não funcionar, qualquer alusão à possibilidade de
controle de capital gera uma fuga de dinheiro ainda maior e se
cria uma desvalorização maior.
FOLHA - O que se pode fazer para
mitigar o impacto da crise?
CARDOSO - Os economistas têm
de ser mais humildes e reconhecer que não têm muitos instrumentos. E não há muita coisa que o governo pode fazer.
Mas existe uma coisa que esse
governo pode fazer. Nós ainda
temos espaço para cortar taxa
de juros. Se queremos proteger
o nível de atividade, o BC pode
cortar a taxa de juros. E cortar a
taxa de juros talvez seja uma
política melhor no Brasil hoje
do que aumentar gastos do governo, que são mais irreversíveis. Agora, é uma política arriscada, num momento em que
o câmbio está se desvalorizando. Por isso, o Banco Central
tem que ir com tanto cuidado.
Não dá para, de repente, cortar
taxa de juros, criar insegurança, fuga de capital e mais desvalorização de câmbio.
FOLHA - Em relação a outros países, como o Brasil lida com a crise?
CARDOSO - O Brasil está em
uma situação muito melhor do
que vários outros países. Nós já
vimos a recessão nos EUA, na
Europa e no Japão. A China está entrando em um período
bastante preocupante. Embora
eles tenham instrumentos para
lidar com a crise, também têm
um sistema político que não
tem nenhuma flexibilidade para lidar com processos de barganha. A situação da Rússia é
muito pior do que a do Brasil.
Ela está sofrendo mais com a
queda do preço das commodities e enfrenta mais desconfiança em relação ao regime deles do que nós. Eu acho que o
Brasil lida bem com a crise porque o BC tem recursos, pode
manobrar as diversas políticas
de venda de câmbio com troca
por taxas de juros, o que dá
mais flexibilidade à economia.
De modo que eu acho que vamos sair dessa. Se isso tivesse
acontecido em outras circunstâncias, em que o Brasil não tivesse as reservas que tem e dívida pública em queda, teríamos visto um desastre já consumado -e isso não aconteceu.
Estamos lidando com uma situação que vai ser difícil, vamos
ter desemprego, vamos ter insegurança. Isso significa sofrimento, mas não é uma situação
que saiu do controle. Desde que
o governo mantenha a sensatez, o compromisso com um regime que vem dando bons frutos, que é o sistema de câmbio
flexível, com meta de inflação e
superávit primário, podemos
enfrentar uma recessão sem
passar por um desastre.
FOLHA - O que a senhora achou do
pacote de corte de impostos?
CARDOSO - Queria ver o PAC
(Programa de Aceleração do
Crescimento) funcionando e os
investimentos saindo do lugar.
Não gosto da idéia de várias alíquotas. Acho que, para imposto, quanto mais simples, melhor. Se vai mexer com política
fiscal, tem de se perguntar o
que é temporário e o que é permanente. E as mudanças permanentes devem ser feitas na
direção da simplificação.
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