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São Paulo, quinta-feira, 16 de janeiro de 2003

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JUSTIÇA

Chesf, segundo a empreiteira, teria dívida de R$ 154 bilhões para compensar atrasos em obras da usina de Itaparica

Mendes Júnior pede indenização bilionária

FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL

A empreiteira Mendes Júnior luta para obter uma indenização da Chesf (Companhia Hidrelétrica do São Francisco) estimada hoje em R$ 154 bilhões, a título de compensação por atrasos de pagamentos das obras civis da usina de Itaparica, em Pernambuco, contratadas em 1981.
Para a Chesf, esse ressarcimento é impagável. Uma hidrelétrica semelhante custaria R$ 7,5 bilhões, segundo cálculos da concessionária. Ou seja, com a indenização, seria possível construir hoje 20 usinas iguais a Itaparica.
Em valores atualizados, a indenização corresponderia a dez vezes o patrimônio da concessionária, computando-se os 10.720 megawatts de potência, as 82 subestações e mais 18 mil quilômetros de linhas de transmissão.
Trata-se da maior ação de cobrança já intentada contra um órgão público, numa controvertida disputa judicial iniciada em 1988.
Para efeito de comparação: a Mendes Júnior promove outras 21 ações de cobrança contra órgãos do governo federal e de governos estaduais. Juntas, contudo, elas somam apenas R$ 378,2 milhões.
Com R$ 154 bilhões seria possível construir 4,7 milhões de apartamentos populares na região metropolitana de São Paulo.
Em 1997, ao ingressar na disputa, a União, principal acionista da Chesf (estatal ligada à Eletrobrás, subordinada ao Ministério de Minas e Energia), sustentou que a Mendes Júnior pretende "arrancar" uma "fabulosa quantia, impossível de ser satisfeita". Para os advogados da União, a indenização poderia "desestabilizar" a concessionária e comprometer a geração de energia elétrica da região.
"E o que é que eu tenho a ver com isso? Ela quebra, vai ter outros donos", diz Jesus Murillo Vale Mendes, 77, presidente da construtora, em entrevista à Folha. "O direito vale só para as estatais? Ela está devendo porque tem uma administração temerária", afirma.
A empreiteira de Minas Gerais alega que, durante dois anos, foi obrigada a financiar a construção da usina, localizada na divisa entre Pernambuco e Bahia, utilizando capital próprio e recursos captados no mercado financeiro.
Para a Chesf, duas perícias judiciais não comprovaram que esses recursos foram aplicados na obra. A Chesf alega, ainda, que as compensações financeiras pelos atrasos já foram integralmente pagas, com correção monetária e juros de mora, e com a concordância, na época, da empreiteira.
A ação tramitou em várias instâncias e hoje encontra-se na 12ª Vara Cível Federal de Pernambuco, para decisão da juíza Edwiges Caraciolo Rocha Wanderley.

Principais divergências
Os advogados da Chesf entendem que a Mendes Júnior deverá provar que os atrasos de pagamento representaram um ônus maior do que as compensações que a empresa já recebeu. "A Mendes Júnior fica escamoteando a verdade, para se beneficiar da confusão", diz o engenheiro João Paulo Maranhão de Aguiar, 65, assessor da presidência da Chesf.
"A única coisa que está decidida pela Justiça é que a Mendes Júnior tem direito a compensação, que é a diferença entre o que a empresa efetivamente desembolsou, em função dos atrasos da Chesf, e aquilo que foi pago", afirma.
Aguiar diz que a empreiteira "escamoteia a verdade" ao afirmar que tem direito a juros bancários, e que haveria decisões transitadas em julgado (quando não cabe mais recurso).
"A meu ver, isso é uma tática para que, em algum momento, a Chesf perca os prazos [na Justiça" ou haja algum despacho que a favoreça, resultando em um lucro injusto", diz Aguiar.
A Mendes Júnior informa que os contratos e os pagamentos que fez foram levantados, em sua contabilidade, pelos professores Eliseu Martins e Ariovaldo dos Santos, da Fipecafi (Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras), da USP, por auditores da Arthur Andersen e consultores da Target.

Perícias contestadas
A Chesf alega que uma nova perícia repetiu erros de laudo anterior, anulado pela Justiça, pois voltou-se a usar nos cálculos juros de mercado com taxa de aplicação bancária. Cobrada por bancos a tomadores de empréstimo, essa taxa engloba custos de captação, despesas administrativas e operacionais, tributos e lucro.
Quando o caso subiu para o STJ (Superior Tribunal de Justiça), em 1990, o ministro Peçanha Martins afirmou que "juros de mercado só podem ser cobrados, nesse país, por instituições financeiras".
Segundo a Chesf, isso representaria "um lucro irregular" para a Mendes Júnior, transformando-a em "instituição financeira privilegiada, com a faculdade de tomar dinheiro emprestado e pagar, a si própria, juros de mercado".
Ministros do STJ e desembargadores pernambucanos haviam considerado o primeiro laudo pericial "imprestável", com "defeitos" e "irregularidades", e realizado por um perito não-habilitado (foi feito por um economista).
Para elaborar o novo laudo, foi nomeado o perito José Argemiro da Silva, de Pernambuco. Os advogados da Chesf alegam que o segundo laudo está incompleto, com cálculos de cinco anos atrás.
A Mendes Júnior havia recorrido ao STJ para tentar manter uma decisão de juiz de primeira instância anulada, por unanimidade, pela 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça. A decisão reconhecia a existência de crédito da empreiteira e determinava o "ressarcimento completo e atualizado dos valores relativos a juros de mercado e encargos financeiros", decorrentes de financiamento da obra.

Recursos ao STJ
O STJ não recebeu o recurso da empreiteira. Em junho de 2000, a Mendes Júnior desistiu de um segundo recurso (embargos de divergência), depois que 15 ministros do STJ já haviam votado contra o interesse da empresa.
Em agosto de 2000, o STJ baixou o processo para Pernambuco, para ser reiniciado pela Justiça Federal. Foi determinada a realização do novo laudo, por outro perito, seguindo a orientação de voto do ministro Garcia Vieira, do STJ.
Vieira afirmara: "Numa causa onde se pleiteia cerca de sete bilhões de dólares, de juros, não se fez, sequer, ou pelo menos é o que entendeu o tribunal "a quo" [o TJ estadual", prova de pagamento desses juros. Não se provou que a Mendes Júnior foi buscar recursos no sistema financeiro ou com particulares e que esses foram efetivamente usados na conclusão das obras contratadas com a Chesf. Não se fez prova de que ela pagou juros, de quanto pagou, a quem pagou e se foram superiores àqueles contratados".
Para a Chesf, essas dúvidas persistem. A Mendes Júnior, no entanto, convencida de que terá êxito na disputa judicial, vem quitando dívidas dando como garantia parte da indenização pleiteada.
Nas demonstrações financeiras trimestrais de setembro, a empreiteira informou ao mercado ter negociado com credores a cessão de créditos junto à Chesf no total de R$ 2,4 bilhões, para garantir dívidas de empresas associadas e ações judiciais.


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