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JUSTIÇA
Chesf, segundo a empreiteira, teria dívida de R$ 154 bilhões para compensar atrasos em obras da usina de Itaparica
Mendes Júnior pede indenização bilionária
FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL
A empreiteira Mendes Júnior
luta para obter uma indenização
da Chesf (Companhia Hidrelétrica do São Francisco) estimada hoje em R$ 154 bilhões, a título de
compensação por atrasos de pagamentos das obras civis da usina
de Itaparica, em Pernambuco,
contratadas em 1981.
Para a Chesf, esse ressarcimento
é impagável. Uma hidrelétrica semelhante custaria R$ 7,5 bilhões,
segundo cálculos da concessionária. Ou seja, com a indenização,
seria possível construir hoje 20
usinas iguais a Itaparica.
Em valores atualizados, a indenização corresponderia a dez vezes o patrimônio da concessionária, computando-se os 10.720 megawatts de potência, as 82 subestações e mais 18 mil quilômetros
de linhas de transmissão.
Trata-se da maior ação de cobrança já intentada contra um órgão público, numa controvertida
disputa judicial iniciada em 1988.
Para efeito de comparação: a
Mendes Júnior promove outras 21
ações de cobrança contra órgãos
do governo federal e de governos
estaduais. Juntas, contudo, elas
somam apenas R$ 378,2 milhões.
Com R$ 154 bilhões seria possível construir 4,7 milhões de apartamentos populares na região
metropolitana de São Paulo.
Em 1997, ao ingressar na disputa, a União, principal acionista da
Chesf (estatal ligada à Eletrobrás,
subordinada ao Ministério de Minas e Energia), sustentou que a
Mendes Júnior pretende "arrancar" uma "fabulosa quantia, impossível de ser satisfeita". Para os
advogados da União, a indenização poderia "desestabilizar" a
concessionária e comprometer a
geração de energia elétrica da região.
"E o que é que eu tenho a ver
com isso? Ela quebra, vai ter outros donos", diz Jesus Murillo Vale Mendes, 77, presidente da construtora, em entrevista à Folha. "O
direito vale só para as estatais? Ela
está devendo porque tem uma administração temerária", afirma.
A empreiteira de Minas Gerais
alega que, durante dois anos, foi
obrigada a financiar a construção
da usina, localizada na divisa entre Pernambuco e Bahia, utilizando capital próprio e recursos captados no mercado financeiro.
Para a Chesf, duas perícias judiciais não comprovaram que esses
recursos foram aplicados na obra.
A Chesf alega, ainda, que as compensações financeiras pelos atrasos já foram integralmente pagas,
com correção monetária e juros
de mora, e com a concordância,
na época, da empreiteira.
A ação tramitou em várias instâncias e hoje encontra-se na 12ª
Vara Cível Federal de Pernambuco, para decisão da juíza Edwiges
Caraciolo Rocha Wanderley.
Principais divergências
Os advogados da Chesf entendem que a Mendes Júnior deverá
provar que os atrasos de pagamento representaram um ônus
maior do que as compensações
que a empresa já recebeu. "A
Mendes Júnior fica escamoteando
a verdade, para se beneficiar da
confusão", diz o engenheiro João
Paulo Maranhão de Aguiar, 65,
assessor da presidência da Chesf.
"A única coisa que está decidida
pela Justiça é que a Mendes Júnior
tem direito a compensação, que é
a diferença entre o que a empresa
efetivamente desembolsou, em
função dos atrasos da Chesf, e
aquilo que foi pago", afirma.
Aguiar diz que a empreiteira
"escamoteia a verdade" ao afirmar que tem direito a juros bancários, e que haveria decisões
transitadas em julgado (quando
não cabe mais recurso).
"A meu ver, isso é uma tática
para que, em algum momento, a
Chesf perca os prazos [na Justiça"
ou haja algum despacho que a favoreça, resultando em um lucro
injusto", diz Aguiar.
A Mendes Júnior informa que
os contratos e os pagamentos que
fez foram levantados, em sua contabilidade, pelos professores Eliseu Martins e Ariovaldo dos Santos, da Fipecafi (Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis,
Atuariais e Financeiras), da USP,
por auditores da Arthur Andersen e consultores da Target.
Perícias contestadas
A Chesf alega que uma nova perícia repetiu erros de laudo anterior, anulado pela Justiça, pois
voltou-se a usar nos cálculos juros
de mercado com taxa de aplicação bancária. Cobrada por bancos
a tomadores de empréstimo, essa
taxa engloba custos de captação,
despesas administrativas e operacionais, tributos e lucro.
Quando o caso subiu para o STJ
(Superior Tribunal de Justiça), em
1990, o ministro Peçanha Martins
afirmou que "juros de mercado só
podem ser cobrados, nesse país,
por instituições financeiras".
Segundo a Chesf, isso representaria "um lucro irregular" para a
Mendes Júnior, transformando-a
em "instituição financeira privilegiada, com a faculdade de tomar
dinheiro emprestado e pagar, a si
própria, juros de mercado".
Ministros do STJ e desembargadores pernambucanos haviam
considerado o primeiro laudo pericial "imprestável", com "defeitos" e "irregularidades", e realizado por um perito não-habilitado
(foi feito por um economista).
Para elaborar o novo laudo, foi
nomeado o perito José Argemiro
da Silva, de Pernambuco. Os advogados da Chesf alegam que o
segundo laudo está incompleto,
com cálculos de cinco anos atrás.
A Mendes Júnior havia recorrido ao STJ para tentar manter uma
decisão de juiz de primeira instância anulada, por unanimidade,
pela 2ª Câmara Cível do Tribunal
de Justiça. A decisão reconhecia a
existência de crédito da empreiteira e determinava o "ressarcimento completo e atualizado dos
valores relativos a juros de mercado e encargos financeiros", decorrentes de financiamento da obra.
Recursos ao STJ
O STJ não recebeu o recurso da
empreiteira. Em junho de 2000, a
Mendes Júnior desistiu de um segundo recurso (embargos de divergência), depois que 15 ministros do STJ já haviam votado contra o interesse da empresa.
Em agosto de 2000, o STJ baixou
o processo para Pernambuco, para ser reiniciado pela Justiça Federal. Foi determinada a realização
do novo laudo, por outro perito,
seguindo a orientação de voto do
ministro Garcia Vieira, do STJ.
Vieira afirmara: "Numa causa
onde se pleiteia cerca de sete bilhões de dólares, de juros, não se
fez, sequer, ou pelo menos é o que
entendeu o tribunal "a quo" [o TJ
estadual", prova de pagamento
desses juros. Não se provou que a
Mendes Júnior foi buscar recursos no sistema financeiro ou com
particulares e que esses foram efetivamente usados na conclusão
das obras contratadas com a
Chesf. Não se fez prova de que ela
pagou juros, de quanto pagou, a
quem pagou e se foram superiores àqueles contratados".
Para a Chesf, essas dúvidas persistem. A Mendes Júnior, no entanto, convencida de que terá êxito na disputa judicial, vem quitando dívidas dando como garantia
parte da indenização pleiteada.
Nas demonstrações financeiras
trimestrais de setembro, a empreiteira informou ao mercado
ter negociado com credores a cessão de créditos junto à Chesf no
total de R$ 2,4 bilhões, para garantir dívidas de empresas associadas e ações judiciais.
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