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São Paulo, domingo, 16 de fevereiro de 2003

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Cotações diferentes incentivaram fraude

DA REPORTAGEM LOCAL

A grande diferença entre as cotações do dólar comercial (livre) e do flutuante (turismo), em vários momentos dos anos 90, criou incentivos para que bancos e empresas realizassem operações fraudulentas, que renderam lucros milionários.
A fraude clássica ocorria da seguinte forma: a instituição pedia autorização ao Banco Central para trazer recursos ao país. O objetivo declarado era futuro investimento em empresa no Brasil -operação conhecida como Afac (Adiantamento para Futuro Aumento de Capital).
O dinheiro entrava quando a cotação do dólar comercial estava mais alta que a do flutuante. Os dólares vindos de fora eram, então, vendidos pela cotação mais alta e, depois, convertidos em reais.
Simultaneamente, os recursos eram usados para recomprar dólares, mas dessa vez no mercado flutuante, à taxa mais baixa, e deixavam novamente o país.
A instituição embolsava o lucro -diferença entre o que ganhou vendendo dólar a uma cotação mais alta e recomprando a moeda por taxa mais baixa.

Grupos importantes
Chase Manhattan (atual JP Morgan), Garantia (atual CSFB), Brahma (que hoje faz parte da AmBev) e CCE (empresa de produtos eletrônicos) são exemplos de grupos importantes que foram autuados por terem cometido esse tipo de infração.
Documentos aos quais a Folha teve acesso mostram que o JP Morgan foi autuado em US$ 11,055 milhões, por ter feito dez operações irregulares no valor total de US$ 221 milhões. A multa, nesses casos, é imposta com base no lucro obtido com a operação ilegal e supera o valor que a instituição ganhou de maneira irregular. Um ex-diretor do banco também foi multado em R$ 950 por ter autorizado a transação.
Procurado pela Folha, o banco disse que não comentaria o caso, que está agora na Justiça.
Caso semelhante ocorreu com o antigo banco Garantia. Segundo Waldemir Messias, presidente do Conselhinho, a instituição tem sido julgada em processos em que fez esse tipo de operação para si mesma e também por montar transações semelhantes para outras empresas.
As multas mais recentes recebidas pelo CSFB, que comprou o Garantia, depois de perder em dois recursos apresentados ao Conselhinho, foram de US$ 1,75 milhão e US$ 3 milhões, respectivamente.
O banco não concedeu entrevista, sob a alegação de que não tinha quem comentasse o assunto.

Coincidências
A CCE também foi autuada por esse tipo de operação em US$ 5 milhões pelo BC (multa reduzida para US$ 2,5 milhões no Conselhinho). A operação ocorreu no dia 27 de janeiro de 1992 e foi intermediada pelo Garantia. Procurada pela Folha, a CCE se limitou a dizer que o processo corre agora na Justiça.
Coincidência ou não, a Brahma fez transação semelhante na mesma época-dia 22 de janeiro de 1992- e a operação também foi intermediada pelo banco Garantia. Por meio de sua assessoria de imprensa, a AmBev (grupo do qual a antiga Brahma faz parte) nega que tenha cometido irregularidades.

Arbitragem
Segundo analistas, era comum que essas operações, chamadas de arbitragem, ocorressem em datas muito próximas. Eram os momentos em que o dólar flutuante ficava bem mais barato que o comercial.
Hoje, há menos incentivo para esse tipo de fraude, já que a diferença entre as duas cotações são mais baixas. Mas, com a crise recente, o dólar flutuante tem ficado em alguns momentos mais barato que o comercial. Isso pode ter criado incentivos para arbitragens irregulares. (ÉRICA FRAGA e JOSÉ ALAN DIAS)


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