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São Paulo, domingo, 16 de março de 2003

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ARTIGO/ ECONOMIA BOMBARDEADA

Todos têm planos para o petróleo iraquiano

SAEED SHAH
DO "THE INDEPENDENT"

O governo americano pode estar elaborando planos para os vastos recursos petrolíferos do Iraque depois de uma guerra vitoriosa, mas os iraquianos continuam silenciosamente implementando seu programa de dez anos para desenvolver o setor.
O plano do Iraque visa mais que duplicar suas reservas comprovadas em uma década, colocando-o em pé de igualdade com a riqueza petrolífera da Arábia Saudita.
O Iraque tem cerca de 115 bilhões de barris em jazidas comprovadas - a segunda maior reserva do mundo-, mas também se admite que teria entre 100 bilhões e 200 bilhões de barris em reservas não comprovadas. A Arábia Saudita tem reservas comprovadas de 265 bilhões de barris.
Manouchehr Takin, do Centro de Estudos de Energia Global, diz: "O Iraque poderá estar daqui a dez anos onde a Arábia Saudita está hoje. Todas as grandes empresas de petróleo estarão interessadas". Alguns alegam que os americanos simplesmente vão dividir os recursos petrolíferos do Iraque entre suas companhias e as de seus aliados. Poucos no setor parecem prever essa bonança imperialista. O atual plano de petróleo do Iraque poderia facilmente ser a base para o desenvolvimento da indústria local, qualquer que seja o regime, diz Ruba Husari, da consultoria Energy Intelligence.
É provável que o petróleo continue sendo propriedade nacional, administrado por um regime pós-Saddam. Nesse caso, os funcionários que dirigirão o Ministério do Petróleo iraquiano serão os mesmos que elaboraram no ano passado o programa de dez anos.
O potencial petrolífero do país não recebe investimentos há duas décadas, devido à guerra Irã-Iraque nos anos 80 e às sanções nos anos 90. Os jovens campos do Iraque poderiam oferecer o suprimento de petróleo mais barato do mundo, talvez a US$ 1 por barril (comparado com US$ 11 por barril no mar do Norte). A exploração do gás foi mínima.
O Iraque bombeia atualmente cerca de 2,5 milhões de barris por dia, mas pretende aumentar a produção para 10 milhões de barris, semelhante à da Arábia Saudita. Para isso, o Iraque talvez precise de 20 bilhões ou 30 bilhões de libras esterlinas, ou seja, necessita de dinheiro estrangeiro.
Embora os EUA vão liderar o ataque militar contra Saddam Hussein, e a Grã-Bretanha provavelmente terá um papel de apoio importante, as companhias mais bem posicionadas para entrar no Iraque são principalmente de países que se opõem ao conflito.
Bagdá assinou uma série de acordos com companhias estrangeiras, embora nenhum tenha sido ativado. Seis empresas internacionais detêm contratos de exploração ou desenvolvimento.
Esses acordos e outras propostas foram forjados com um governo que era reconhecido pela comunidade internacional. Por isso existe um caso muito bom para que, sob a lei internacional, sejam mantidos os acordos.
O Iraque ofereceu às companhias estrangeiras termos generosos, incluindo participação acionária nos campos, situação incomum no Oriente Médio.
Esses termos provavelmente serão questionados pelos próprios iraquianos depois de Saddam, pois o novo governo estará numa posição muito melhor para negociar. O governo sucessor poderá argumentar que as companhias estrangeiras nunca cumpriram os contratos, e portanto eles são inválidos. Mas é possível que um novo regime procure primeiro as companhias que negociaram com o Iraque na época das sanções.
Valerie Marcel, do Instituto Real de Assuntos Internacionais, diz: "O Iraque [pós-Saddam" não oferecerá o tipo de contrato com que as companhias estrangeiras sonham. E levará tempo para que o novo regime crie as instituições que necessárias para investimentos estrangeiros". Mesmo que os acordos existentes não sejam honrados depois da queda de Saddam, essas companhias que já realizaram processamento de dados sísmicos e avaliação de condições locais estão claramente em boa posição para negociar.
A TotalFinaElf negociou contratos sobre dois campos gigantes, mas parou pouco antes de assinar. A companhia francesa não reivindica direito legal sobre os campos, mas seu presidente, Thierry Desmarest, disse recentemente que tem uma vantagem de um ano sobre outras companhias para a exploração dos campos de Majnoon ou Bin Omer.
Husari, da Energy Intelligence, diz: "A concorrência entre as companhias de petróleo internacionais provavelmente colocará as empresas européias que já negociaram contratos ou manifestaram interesse em chegar a um acordo, mas pararam antes de assinar qualquer coisa, contra as grandes companhias americanas excluídas pelos iraquianos. Depois da guerra, gigantes americanas como ExxonMobil, ChevronTexaco e ConocoPhillips quase certamente vão querer uma fatia do bolo, assim como a BP". Segundo Husari, a Shell vem manifestando interesse pelo campo de Rattawi para autoridades iraquianas, mas a empresa anglo-holandesa se recusa a comentar.
A BHP Billiton admite ter discutido sobre o campo de Halfaya. Um porta-voz da BHP diz: "Estivemos envolvidos alguns anos atrás em discussões [sobre Halfaya", mas não temos interesse agora". O principal executivo da BP, lorde Browne of Madingley, já disse que teme que não haja um "campo de jogo nivelado", referindo-se às operadoras americanas que podem ser favorecidas por um novo regime iraquiano apoiado pelos EUA, ou às companhias internacionais que já têm negócios no Iraque. Informa-se que a BP e a Shell vêm fazendo lobby a respeito do Iraque, mas as empresas negam.
As primeiras companhias estrangeiras que provavelmente trabalharão no Iraque não são as de petróleo, mas as de serviços de energia, necessárias para obras de reparo nos campos existentes e para avaliar as necessidades e a capacidade do país. Informa-se, por exemplo, que um dos principais grupos de serviços de petróleo, o Halliburton, sediado em Houston, já entrou na fila para ir ao Iraque. Takin estima que nos próximos dois anos o Iraque poderá aumentar sua produção para 3,5 milhões de barris por dia. Isso exigirá trabalho nos campos existentes. Adverte, porém, que a corrida das companhias internacionais terá de esperar vários anos.
Também é provável que as grandes petroleiras prefiram esperar novas leis sobre recursos naturais e investimentos antes de assumir compromissos.
Certamente parece improvável que o Iraque cumpra o calendário de seu plano de dez anos. Poderá levar até o fim desta década para que contratos de produção em longo prazo sejam oferecidos a estrangeiros. O Iraque precisa de investimento estrangeiro muito mais que outros regimes do Oriente Médio, e, quando vierem, os contratos do Iraque poderão ser altamente atraentes.
Enquanto muitos duvidam que o Iraque possa desafiar a supremacia saudita, a contribuição do Iraque vai mudar a dinâmica do suprimento de petróleo do Oriente Médio.


Tradução de Luiz Roberto Gonçalves


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