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São Paulo, domingo, 16 de março de 2003

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ECONOMIA BOMBARDEADA

Ex-presidente da Opep diz que potencial iraquiano pode reduzir a dependência do óleo saudita

Iraque pode "equilibrar" mapa do petróleo

JOSÉ ALAN DIAS
DA REPORTAGEM LOCAL

O iminente conflito no Oriente Médio poderá modificar drasticamente a geopolítica mundial do petróleo nos próximos anos.
A eventual remoção de Saddam Hussein, a implementação de um novo governo, tutelado, ao menos no princípio, pelos EUA, deverá significar aumento nos investimentos de exploração de petróleo em território iraquiano.
O Iraque detém a segunda maior reserva petrolífera do globo -atrás apenas da Arábia Saudita. As já comprovadas são de 112,5 bilhões de barris (e estima-se no mínimo mais 100 bilhões em reservas não-comprovadas).
Com o embargo imposto pela ONU desde a Guerra do Golfo em 1991, os iraquianos não produzem mais que 2,7 milhões de barris por dia. ""O Iraque tem capacidade para produzir até 8 milhões de barris/dia. Isso diminuiria a dependência que o Ocidente tem da Arábia", avalia o venezuelano Humberto Calderón Berti.
Ex-ministro de petróleo da Venezuela (79 a 83), ex-presidente da PDVSA, a poderosa estatal venezuelana, Calderón Berti foi entre 1979 e 1980 o presidente da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), ou seja, no período que coincidiu com a segunda crise mundial no setor, decorrente da revolução no Irã.
Para o agora consultor privado, além do interesse econômico, há um fator político que complica a relação EUA-sauditas: a cruzada antiterrorismo. Embora principal parceiro dos americanos na região, o governo saudita é acusado de tolerante com terroristas. "A dependência do petróleo no Oriente sempre vai existir e aumentará nos próximos anos. Lá estão 75% das reservas."
Segundo a Agência Internacional de Energia, em 2020, 58% do petróleo consumido pela América do Norte sairá do Oriente -em 1997, era 44,6%. Hoje, a demanda mundial é de 76 milhões de barris por dia, dos quais 21,7 milhões (28,5%) saem da Opep.
Ele refuta a hipótese, levantada por alguns analistas, de que os EUA poderiam repartir a extração de petróleo no país apenas entre as empresas americanas e de seus aliados -ou mesmo usar parte do petróleo como butim de guerra. ""Criaria uma situação de contrariedade em toda a região, uniria os povos do Iraque contra os EUA e reforçaria os argumentos dos que vêem a guerra como motivação financeira, e não política."

Folha - Quais podem ser as consequências para a geopolítica petrolífera de um conflito no Iraque?
Humberto Calderón Berti -
O Iraque tem a segunda maior reserva do mundo, depois da Arábia Saudita. O país produz hoje 2,7 milhões de barris por dia. Com investimentos, dada a natureza de suas reservas, poderia facilmente aumentar a produção para 7 milhões, 8 milhões de barris por dia. E isso diminuiria a dependência ocidental da Arábia Saudita. Por outro lado, petróleo iraquiano poderia ser transportado via Turquia sem passar pelo estreito de Ormuz (no golfo Pérsico), uma grande vantagem do ponto de vista estratégico. Passada a crise, o Iraque aumentará sua importância no mundo petrolífero. Uma coisa é certa: a dependência do petróleo do Oriente sempre será muito grande e, como mostram os números da AIE (Agência Internacional de Energia), aumentará. E por uma razão simples: ali estão 75% das reservas mundiais.

Folha - A quanto poderá chegar o preço do barril de petróleo com a guerra? As variações de 1991 podem servir como parâmetro -estabeleceu-se à época o recorde histórico de US$ 41 por barril...
Calderón Berti -
Podem servir como parâmetro. O Kuait produzia, antes de ser invadido, cerca de 2,5 milhões de barris por dia -quantidade equivalente à que produz o Iraque neste momento, considerada a prerrogativa de que o Iraque "saia" do mercado. É certo que vou cometer um equívoco. Mas assim que a guerra começar o preço vai saltar para US$ 45 por barril. Não há muitas razões para subir mais que isso.

Folha - O argumento dos contrários à guerra é que a intenção do governo dos EUA de invadir o Iraque é motivada pelo petróleo...
Calderón Berti -
Digo que há uma série de motivações dos norte-americanos e não creio que o petróleo seja a primordial.

Folha - Por que os americanos se decidiriam por se afastar da Arábia se os sauditas sempre foram vistos como defensores dos interesses dos EUA na Opep?
Calderón Berti -
A verdade é que foram os sauditas que adotaram uma certa posição de distanciamento dos EUA e some-se a isso toda a pressão da opinião pública norte-americana acerca do terrorismo depois do 11 de setembro. Boa parte do financiamento para o terrorismo é de origem saudita. Não estou dizendo do governo, mas de sauditas. Isso gera mal-estar e preocupações nos EUA.

Folha - Há especulações de que os EUA poderiam lotear entre suas empresas e dos aliados as reservas de petróleo do Iraque ou mesmo usá-las como butim de guerra...
Calderón Berti -
Seria um erro porque poderia criar uma situação de contrariedade regional, de fomentar rebeliões entre os grupos étnicos que formam o Iraque, todos contra os EUA, e daria margem aos argumentos de que a invasão ao Iraque estaria motivada por razões econômicas, e não políticas. Desde sempre, os EUA insistem que os que o motiva a guerrear com o Iraque é a luta antiterrorista.

Folha - Como deverá ser a administração do petróleo caso os EUA assumam o controle político?
Calderón Berti -
Como deve ocorrer com todas as instituições: os americanos devem administrar o setor por algum tempo, de forma discreta. E posteriormente serão os próprios iraquianos que tomarão as decisões. Não creio que os iraquianos que assumam a condução do país se inclinem em direção de um único país, aos EUA. O que mais lhes convirá é que haja muitos atores dentro da indústria petrolífera iraquiana.

Folha - Qual deveria ser o papel da Opep em meio à crise?
Calderón Berti -
Reagir como em 1991: aumentar sua produção para evitar que os preços disparem. Seria basicamente por meio de Arábia Saudita e os Emirados Árabes, que têm 3,5 milhões de barris de capacidade ociosa.

Folha - Os países da Opep têm capacidade ociosa para suprir o hiato que uma guerra provocaria na produção iraquiana. Por que então os preços não param de subir?
Calderón Berti -
A produção da Opep deveria ser suficiente caso não haja uma expansão do conflito e se o resto do mundo não ficar ainda mais receoso e começar a comprar mais petróleo do que precisaria. Se fosse por razões econômicas, de oferta e demanda, o petróleo deveria estar abaixo de US$ 30 o barril (na sexta-feira era negociado nos EUA a US$ 35,38). Temos um problema de natureza psicológica. Existe petróleo no mercado. O que ocorre é que os compradores pensam que haverá desabastecimento. O que fazem? Compram mais do que precisariam e inflam os preços.


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