São Paulo, domingo, 16 de abril de 2006

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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

Mais tiros no pé?

LUCIANO COUTINHO

Graças ao comércio com preços superfavoráveis às exportações, a economia brasileira conseguiu superar a vulnerabilidade externa nos três últimos anos. A divida externa caiu de US$ 211 bilhões para US$ 169 bilhões; as reservas em moeda forte ascenderam a US$ 60 bilhões -e tendem a crescer. A gravíssima crise do PT e do governo Lula praticamente não afetou a trajetória da taxa de câmbio.
Essa extraordinária recém-adquirida robustez cambial pode ser a base de um novo ciclo de crescimento com estabilidade de preços. A partir de reformas consistentes no campo fiscal (abrangendo a previdência, as políticas sociais e a gestão das máquinas estatais) será possível conter a expansão dos gastos correntes do setor público, reduzir a dívida interna, aumentar os investimentos e, mais importante, acelerar a redução da taxa de juros. A economia brasileira poderá crescer firmemente a 5% ao ano, com juro real básico abaixo de 6% e classificação do risco-país em "grau de investimento".
Mas esse novo ciclo pode ser comprometido se a apreciação prolongada da taxa de câmbio voltar a fragilizar a posição cambial. O BC vem errando gravemente em ter permitido essa apreciação excessiva. Enquanto nossos concorrentes seguraram a valorização de suas moedas (na média, apenas 5% de apreciação na Ásia e 10% na América Latina nos últimos 12 meses), o real se apreciou significativamente (22% só nos últimos 12 meses).
A continuada elevação dos preços das commodities mascara, por enquanto, os efeitos negativos da apreciação. Mas esses já estão em curso e, inevitavelmente, se abaterão sobre o saldo da balança comercial. Empresas exportadoras importantes (brasileiras e transnacionais) já deslocam investimentos para outras economias com condições mais favoráveis. As estratégias de importação começam a ganhar corpo. Potencialidades e oportunidades de desenvolvimento competitivo estão sendo queimadas em todos os setores, até mesmo nas cadeias mais competitivas.
A manutenção da robustez cambial é, sublinhe-se, condição-chave para a política antiinflacionária, ao viabilizar a redução da volatilidade da taxa de câmbio e ao defletir as maxidepreciações que sempre perturbaram a estabilidade de preços no Brasil.
Ao permitir a apreciação excessiva, o Banco Central põe em risco a robustez e semeia risco inflacionário futuro. A taxa de câmbio deve flutuar dentro de uma faixa (entre R$ 2,60 e R$ 2,90 por dólar) confortável para o equilíbrio de longo prazo do balanço de pagamentos. Essa é a trajetória estabilizadora que previne choques e reduz a volatilidade. A atual é inequivocamente insensata.
O Brasil pode voltar a crescer a 5% ao ano, com juros reais civilizados, com investimentos e estabilidade de preços, desde que reformas regenerem a saúde fiscal e a capacidade financeira do Estado. Mas para chegar lá é urgente interromper a sobreapreciação destrutiva. O BC precisa utilizar mais intensamente o seu manancial de instrumentos. Chega de oportunismo cambial!


Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e Tecnologia (1985-88).


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