São Paulo, sexta-feira, 16 de abril de 2010

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ANÁLISE

A economia está mesmo superaquecida?

FERNANDO SAMPAIO
ESPECIAL PARA A FOLHA

As mais recentes divulgações de dados sobre a atividade econômica no país reforçaram o coro dos que avaliam que o BC irá começar a "pisar no freio", a partir do final deste mês, com atraso. Essa corrente avalia também que o aumento dos juros básicos requerido para manter a inflação na meta e as expectativas inflacionárias sob controle seria substancialmente maior que os 2,5 a 3 pontos percentuais hoje projetados pela maioria das instituições financeiras e consultorias.
Entre os dados recentes, destacam-se: a) a Pesquisa Mensal do Comércio (divulgada na quarta), que apurou que as vendas do varejo tiveram em fevereiro alta novamente mais forte do que se antecipava e, além disso, informou que as taxas de crescimento dos meses anteriores, já expressivas, foram revistas para cima pelo IBGE; e b) os números sobre o desempenho do mercado de trabalho formal no mês de março. Novamente (como em fevereiro) o saldo positivo entre admissões e demissões de trabalhadores com carteira de trabalho superou as expectativas.
Do ponto de vista setorial, o resultado do Caged sinalizou que o aquecimento da atividade econômica continua a se espraiar. Descontadas as flutuações sazonais, de fevereiro para março observou-se aceleração das contratações líquidas na indústria, no comércio e sobretudo nos serviços, enquanto a construção civil sustentou nível forte de admissões. Só na agropecuária os números (novamente) não foram positivos -o que faz pouca diferença nos números da economia como um todo, dado o peso bastante limitado do setor no contingente total de empregados com carteira.
Para além das vendas do varejo e do emprego formal (cujo dinamismo volta a ser reforçado pela formalização de vagas de trabalho preexistentes), outros números precisam ser levados em conta para avaliar as tendências da inflação e a perspectiva para os juros. E alguns desses números não se encaixam facilmente num diagnóstico de flagrante superaquecimento da economia.
A capacidade ociosa na indústria, por exemplo, desde dezembro deixou de se estreitar rapidamente, tendo quase que se estabilizado num nível inferior (em relevantes três pontos percentuais) ao observado antes do agravamento da crise financeira global (em setembro-outubro de 2008). O levantamento da FGV sobre o nível percebido de demanda interna pela indústria de bens de consumo indica um moderado refluxo ante o "pico" do final de 2009. A mesma pesquisa indica que o nível de produção previsto para os próximos meses pela indústria de transformação como um todo se manteve praticamente estável de janeiro para março, em nível também moderadamente inferior ao dos meses derradeiros do ano passado. Em paralelo, as mais recentes leituras sobre a evolução dos preços da indústria no atacado revelam uma marcante, e importante, desaceleração.
É intuitivo que as reduções temporárias de IPI, que se esgotaram no final de março (com exceção apenas de móveis e material de construção), estimularam um movimento significativo de antecipação de consumo. Sobretudo por isso, na atual conjuntura é muito difícil estimar com que força o consumo irá se desacelerar, comparativamente às taxas de expansão muito altas que vem exibindo desde meados de 2009.
Esses (e outros) elementos sugerem que pode haver uma dose relevante de precipitação no diagnóstico de que a economia se encontra francamente superaquecida.


FERNANDO SAMPAIO , economista, é sócio-diretor da LCA Consultores.


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