São Paulo, Domingo, 16 de Maio de 1999
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CONJUNTURA
Brasil se diferencia de outras economias que tiveram crise cambial
Inflação contida é a maior surpresa do país pós-máxi

da Reportagem Local

Durante quatro anos, o governo bateu na tecla de que o Brasil não era a Tailândia nem outros países que sofreram ataques especulativos às suas moedas. Quatro meses depois da desvalorização do real, está ficando claro que, apesar de também ter uma moeda sobrevalorizada, o Brasil se diferencia desses países na reação à crise.
"Até aqui, a crise tem sido muito menos severa no Brasil do que foi no México, na Rússia ou nos países asiáticos", diz Karolina Albuquerque, economista da consultoria Tendências. "Uma das diferenças básicas é que esses países tiveram muito mais dificuldades para controlar a inflação."
Nos três primeiros meses depois da desvalorização do peso, a inflação mexicana chegou a 14,5% e, ao fim de um ano, bateu em 51,96%. A inflação russa saltou de 8% ao ano para 67%. Na Coréia do Sul, ela deu um salto de 6,75% nos três primeiros meses após a queda do won, mas foi contida à custa de uma retração de 5,5% no PIB.
A alta dos preços foi um dos maiores problemas de todos os países que desvalorizaram suas moedas. Apesar da chamada "memória inflacionária", o Brasil foi o país que menos sofreu com os reajustes. Uma das explicações para o surpreendente desempenho brasileiro é que a economia tem uma menor participação de produtos importados do que países como a Coréia do Sul ou a Tailândia.
Além disso, diz o ex-secretário de política econômica José Roberto Mendonça de Barros, houve uma mudança no sistema de organização da economia brasileira.
"As grandes redes de supermercados estão ocupando cada vez mais espaço na economia. Por isso, elas tiveram maior poder de barganha com a indústria e impediram o repasse dos preços", diz Barros.
Outra diferença importante entre o Brasil e os outros países que enfrentaram crises cambiais é a velocidade da recuperação da economia. Para o México e os países asiáticos, a crise foi uma surpresa. Esses países estavam crescendo em ritmo acelerado, as empresas tinham grandes dívidas em dólar e os preços estavam sob controle.
No Brasil, se falava numa possibilidade de crise cambial há bastante tempo. A economia já estava em recessão desde o ano passado, o que ajudou a controlar a alta dos preços. "Os países da Ásia não tinham cultura inflacionária e estavam crescendo. Foi preciso uma forte recessão para conter a inflação", diz Karolina.
"O controle da inflação permite ao Brasil reduzir rapidamente os juros, o que abre nova perspectiva de crescimento", diz Odair Abate, economista-chefe do banco Lloyds, que está refazendo suas projeções para o PIB em 1999. "Prevíamos uma queda de 2,0%, mas o resultado será melhor."
Tudo indica que o Brasil não vai enfrentar uma recessão como a do México, que sofreu retração de 6,98% em 1995, mas os economistas também não estão eufóricos. Ainda existem muitos riscos para a economia brasileira.
As exportações não reagiram como se imaginava e, se o país voltar a crescer, pode haver um agravamento das contas externas. Com economia mais aquecida, o país importará mais, e as empresas se dedicarão mais ao mercado interno do que às exportações. Com isso, o Brasil dependerá mais de investimentos de curto prazo para fechar suas contas externas.
Outra preocupação é o cenário externo. Qualquer retração na economia norte-americana poderia afetar o Brasil. Como os juros estão baixos nos EUA, os investidores voltaram a aplicar em mercados emergentes, ajudando a equilibrar a taxa de câmbio. Se houver alta nos juros nos EUA, pode haver fuga de capitais do Brasil.
"A economia real brasileira se mostrou mais forte do que a simbólica, vista da ótica da área financeira. Mas é preciso lembrar que essa é apenas uma janela de oportunidade que o Brasil não pode desperdiçar", diz o ex-ministro Marcílio Marques Moreira.
(RICARDO GRINBAUM)


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