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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Bate, mas escuta
ALOIZIO MERCADANTE
O empenho dos bancos, do governo e de sua base parlamentar
em abafar as graves denúncias sobre o comportamento de alguns
grandes bancos na crise cambial é
absolutamente inaceitável. Tenho
sido duramente atacado, as investigações não avançam e o governo
prefere o papel de pizzaiolo do que
o de suspeito sob mira da CPI.
Esse cenário me lembra uma
passagem na antiga Grécia, quando o general ateniense Temístocles, 525 a.C., defendia a resistência grega contra a invasão de Xerxes. O comandante de todas as
forças confederadas, general espartano Euribíades, que sustentava a posição de retirada das forças
gregas, no calor do debate levanta
seu bastão de comando e parte para atingir o rosto de seu oponente.
E Temístocles, calmo e senhor de
seus argumentos, responde: bate,
mas escuta! É a mesma resposta
que ofereço aos meus oponentes.
Todos os fatos que estão sendo
apurados vieram à tona com as
minhas denúncias de 23 de fevereiro, incluindo o caso Marka-FonteCindam. Meu depoimento
recente na CPI foi todo construído
com dados e fatos, na perspectiva
de contribuir para uma estratégia
consistente de investigação da
CPI.
Nos dias anteriores ao depoimento reiterei em diversas oportunidades o caráter da minha
apresentação, totalmente oposto a
qualquer forma de denuncismo
oportunista ou bombástico, como
foi difundido e aparentemente temiam, sabe lá por quais razões, algumas esferas do governo. A CPI
não pode se ater aos graves casos
Marka e FonteCindam. Seu grande desafio histórico é mergulhar
no ataque especulativo que o país
sofreu para identificar responsabilidades e elaborar um novo
marco institucional para o desempenho da Bolsa de Mercadorias e
Futuros (BM&F), do Banco Central e do sistema financeiro. O país
não aguenta mais transferir tanta
renda para o sistema financeiro e
jamais desviou tantos recursos
públicos para tão poucos bancos,
em tão pouco tempo, como nessa
crise cambial.
Minha primeira tese foi demonstrar que existem graves indícios de
vazamentos de informação privilegiada que teriam propiciado ganhos espetaculares para alguns
bancos e que, ao contrário da versão oficial, não houve, no mercado, um "comportamento de manada". Havia um processo de fuga
de capitais, mas os acontecimentos dos dias 11 e 12 de janeiro, que
antecedem a desvalorização, são
injustificáveis e agravaram o ataque especulativo que o país sofreu.
Apresentei uma tabela do mercado pronto do dólar (livre e flutuante) demonstrando uma situação atípica, marcada pela mudança de posição vendida para
comprada no dia 12 de, pelo menos, seis instituições bancárias.
Demonstrei também que na
BM&F 49 bancos perderam R$ 3,2
bilhões entre 12 e 2 de fevereiro,
reforçando a tese de que nem todos sabiam. Expliquei que as perdas não significam necessariamente prejuízo, porque podiam
ter obtido ganhos em outras aplicações, como os títulos públicos
cambiais (como exemplo utilizei o
caso do Grupo Votorantim).
Entre os que ganharam, 24 bancos explicavam 95% das transações, com um volume de R$ 10,1
bilhões. Novamente expliquei que
ganho na BM&F não significava
lucro. Parte dos investimentos era
de operações de "hedge" (proteção), e o que realmente determinou esse ganho espetacular foi a
maxidesvalorização.
A resposta do governo foi apresentar uma tabela com erros grosseiros, como misturar pessoas físicas e jurídicas, com base na qual o
líder do governo afirmava que foram "só" R$ 5,2 bilhões os ganhos
com o dólar. O governo errou na
tabela e inflou as aplicações com
juros. Ganho com juros sempre
ocorreu neste governo; ataque especulativo é quando o mercado
não quer mais juros e exige o câmbio. A própria variação na taxa de
juros se deve à maxidesvalorização.
A manobra do governo ajudou a
confundir e fez sumir da imprensa
o fundamental dessa tabela, que
era o fato de o governo, por meio
do Banco do Brasil, com a conta
70.001 na BM&F, ter perdido R$
7,4 bilhões do "meu, do seu, do
nosso dinheiro", transferidos para
os bancos que apostaram contra o
real, alguns comprando grandes
volumes de dólar futuro um dia
antes da desvalorização.
Outro aspecto relevante da exposição foi demonstrar que o lucro
declarado pelos bancos não é necessariamente o lucro real. Apresentei uma tabela que apresentava os lucros extraordinários de alguns fundos de capital estrangeiro, com rentabilidade superior a
100%, onde em sua grande maioria o único cotista é o próprio banqueiro ou a matriz do banco. Esse
é um dos mecanismos por meio
dos quais os bancos transferiram
imediatamente seus lucros para o
exterior sem recolher o Imposto de
Renda devido. Afirmei que, dos 61
maiores bancos, 42,8% simplesmente pagaram 0% de IR em 1998.
Apresentei também uma tabela
do lucro declarado pelos bancos,
onde o Morgan Guaranty Trust,
que comprou uma grande quantia
de contratos de dólar futuro na
BM&F, apresenta um lucro de R$
275,9 milhões em janeiro, 295% o
patrimônio líquido do banco e oito vezes o lucro de 1998! O outro
banco do grupo, JP Morgan, declarou um lucro de R$ 193,4 milhões, ou seja, 172,4% o patrimônio. O Morgan, que vinha reduzindo sua participação no Brasil,
fez uma fezinha no dia 12 e ganhou pelo menos mais de dois
bancos em 20 dias de desvalorização, além de ter comprado "bradies" em condições muito favoráveis do Banespa sem licitação ou
concorrência.
Destaquei também o caso do
Chase Manhattan, que, além de
comprar R$ 1,2 bilhão de "bradies", por meio dos fundos de investimento no exterior (Fiex) no
dia 12, foi um dos bancos que organizou o processo de desestabilização do sistema no dia 29 de janeiro, forçando a desvalorização
do real para se beneficiar da Ptax,
taxa do último dia útil que definiria os ganhos na BM&F. Gostaria
de acrescentar que no dia 22 de janeiro o boletim Chase Securities,
em Nova York, publicou um artigo "Time for a domestic Brady
Plan", de seu analista Lawrence
Brainard, difundindo o pânico em
nível internacional ao afirmar
que um novo "confisco" da moeda
era eminente. No dia 29 a onda
crescia, milhares de clientes sacavam suas aplicações e perdiam a
rentabilidade do mês, enquanto
na BM&F os bancos comprados
em dólares maximizavam seus ganhos.
Disse também que meus dados
subestimavam o impacto da desvalorização porque não estava
analisando os títulos públicos indexados em dólar no valor de R$
68 bilhões, nem as operações de
swaps, mas seguramente o impacto da desvalorização foi superior a
R$ 49 bilhões.
Os indícios de "inside information" e manipulação do mercado
por parte do grupo Morgan e Chase Manhattan, entre outros, poderiam iniciar um trabalho mais
amplo e sério de investigação da
CPI, que já tem todos os elementos
para enquadrar na lei de improbidade administrativa os casos
Marka, FonteCindam e Chico Lopes.
Ocorre que o governo FHC e sua
base de sustentação na CPI preferem abafar as denúncias do que
investigar com profundidade todo
o ataque especulativo que o país
sofreu. A própria viagem de FHC
aos EUA é mais um sinal claro que
vamos nos submeter passivamente a tudo que os grandes bancos
internacionais fizeram com o
país.
E, a propósito, o general Temístocles terminou seu discurso, venceu o debate, e a Grécia resistiu e
venceu a guerra. O Brasil poderia
inspirar-se nesse exemplo e mudar
sua relação com o sistema financeiro mundial. O Brasil deveria
preparar um dossiê sobre a atuação dos bancos e apresentá-lo em
fóruns internacionais, fato que seguramente estimularia muitos
outros "emergentes", também vítimas do capital especulativo, a
fazer o mesmo.
A agenda para acabar com os 37
paraísos fiscais internacionais
que lavam dinheiro sujo e estimulam a evasão fiscal, o imposto Tobin e novos mecanismos de controle sobre o capital financeiro internacional são grandes temas
deste final de século. Não podemos continuar reféns de um capital predatório, que não cria emprego, não constrói o país e vulnerabiliza nossas frágeis finanças
públicas. Mas atitudes como essa
são de homens públicos com compromisso com a história, muito
distante do comportamento medíocre de alguns órgãos de imprensa e da elite dominante do
país.
Aloizio Mercadante Oliva, 44, economista e
professor universitário licenciado da PUC-SP e
Unicamp, foi candidato a vice-presidente da República com Lula em 1994, é vice-presidente nacional do PT, deputado federal e presidente da
Comissão de Economia, Indústria e Comércio da
Câmara dos Deputados.
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