São Paulo, Domingo, 16 de Maio de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
Exuberância irracional enfrenta teste decisivo

GILSON SCHWARTZ
da Equipe de Articulistas

A Bolsa de Nova York fechou em baixa na última sexta-feira, enquanto os juros de longo prazo subiam, o dólar se fortalecia ainda mais e crescia a especulação em torno da decisão do Fed (banco central norte-americano) sobre juros, na terça-feira.
Há duas questões no ar: será o começo do fim do longo ciclo de crescimento da economia dos EUA? E a Bolsa, vai começar a cair gradualmente ou haverá uma correção mais forte, até um "crash"?
O estopim de todo esse quadro foi a inflação de 0,7% em abril.
Mas não se trata de um cenário definitivamente sombrio. Boa parte dessa inflação inesperada decorre de uma alta nos preços de combustíveis. É o tipo de problema que o Fed pode resolver facilmente.
O problema subjacente aos cálculos dos investidores é menos o da alta dos juros em si e mais o de saberem se o governo conseguirá evitar o descontrole inflacionário.
Esse é o sentido da pressão vendedora de títulos públicos de longo prazo (cuja contrapartida é uma alta nas suas taxas de juros). O investidor, temendo que um eventual descontrole inflacionário venha a corroer o valor desses papéis, procura livrar-se deles.
Mas Fed, se de fato optar pela elevação dos juros, estará imediata e automaticamente afetando as economias de todo o mundo.
Em particular, uma alta dos juros norte-americanos torna menos vantajosa a formação de estoques de mercadorias e matérias-primas, por duas razões. Primeiro, porque sobe o custo financeiro de carregar estoques. Segundo, porque ao esfriar a economia norte-americana e, como consequência, as outras principais economias do mundo, a alta de juros deprime o consumo.
O efeito combinado da tendência a liquidar estoques (aumento de oferta) e da redução no consumo (queda na demanda) é uma inevitável pressão deflacionária.
É um clássico dos manuais de economia: a elevação nos juros internacionais tende, por exemplo, a deprimir os preços do petróleo. Isso alivia a pressão inflacionária nos EUA e, assim, reduz o temor de perdas entre os detentores de títulos de longo prazo.
Ao mesmo tempo, a alta de juros nos EUA tende a fortalecer o dólar. Os investidores optam por colocar suas economias nos bancos do país hegemônico cujos juros sobem.
Dólar forte significa importações baratas. Mais uma razão para que os custos de produção fiquem sob controle e os endividados consumidores norte-americanos sejam beneficiados.
A operação conjunta e simultânea desses vários mecanismos de transmissão da alta de juros por vários mercados, países e setores pode ser a chave para evitar o declínio da economia dos EUA.
Ela passaria a crescer menos, com juros mais altos, mas os benefícios pelo lado de custos de importação e de estabilidade de preços no longo prazo seriam compensadores. A confiança na liderança da economia norte-americana seria reafirmada.
O risco desse cenário não se realizar, ou seja, de ocorrer um colapso de Wall Street e um pânico global, não parece portanto decorrer da política de juros.
Há razões de sobra para acreditar na força do banco central dos EUA sobre o resto do mundo.
Entretanto, o comportamento, os humores e as expectativas do investidor norte-americano certamente contém, como alertou Alan Greenspan, uma boa dose de incontrolável irracionalidade. Nada impede que os milhões de investidores nos EUA produzam uma fuga alucinada de capitais.
Em outras palavras, na era da globalização financeira máxima, a estabilidade econômica planetária parece depender mais do que nunca de decisões das viúvas do Kentucky, dos gestores de fundos de Oklahoma ou dos yuppies internéticos de Nova York.


Texto Anterior: Lições contemporâneas - Aloizio Mercadante: Bate, mas escuta
Próximo Texto: Luís Nassif: A "Disparada" de Vandré
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.