São Paulo, Quarta-feira, 16 de Junho de 1999
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OPINIÃO ECONÔMICA

Além da sobrevivência

ANTONIO BARROS DE CASTRO

A desvalorização e a queda da taxa de juros a ela associada colocaram em pauta a retomada do crescimento. Face a isso, muitos passaram a indagar-se, de imediato, acerca do papel das políticas públicas no novo contexto. Antes, porém, a meu juízo, é preciso entender melhor o terreno em que nos encontramos situados.
As empresas produtoras de bens transacionáveis ("tradables") se deparam hoje com uma súbita melhora de suas oportunidades. É óbvio que há exceções -especialmente em casos de elevado endividamento em dólares. Mas não cabe duvidar de que -admita-o ou não- a grande maioria das empresas situadas na esfera dos tradables encontra-se, neste exato momento, colocada diante de uma indagação: o que fazer com o grau de liberdade súbita e inesperadamente adquirido em decorrência de uma desvalorização que deu certo e abriu espaço para uma substancial queda da taxa de juros?
Para que a importância da indagação que acaba de ser feita seja devidamente apreciada, é preciso, no entanto, libertar-se da crença amplamente difundida de que o comportamento das empresas é pura e simplesmente determinado pelos preços com que elas se deparam no mercado. Essa crença, que domina inteiramente a chamada sabedoria econômica convencional, impede que se tenham em conta as mais importantes escolhas feitas pelas firmas. Refiro-me às opções que a diferenciam das demais, definem as suas estratégias e estabelecem o seu roteiro de crescimento.
Em suma, o câmbio confortável e os juros decentes completam um (novo) conjunto de preços relativos. As empresas podem reagir a esse novo ambiente, substituindo importações e exportando mais. Isso é óbvio. Mas podem também rever suas estratégias. E isso, sim, faria diferença. Aqui, porém, uma breve recapitulação da história recente parece indispensável.
As mudanças ocorridas nas empresas ao longo dos anos 1990 foram decididas no sufoco e guiadas por um critério de sobrevivência. Mesmo aquelas que se deram bem nada mais fizeram, em regra, que (melhor) delimitar e, se possível, consolidar um certo domínio produto-mercado. Nesse sentido, todas (ou quase todas) tiveram uma postura eminentemente defensiva -ou, melhor dito, reativas. E isso inclui, insisto, aquelas que tiveram êxito e cresceram.
A experiência acumulada nestes duros anos, o novo câmbio e os novos juros -e o que vem ocorrendo no exterior nas suas áreas de atuação- entreabrem para as empresas a possibilidade de novas escolhas. Em outras palavras, a partir de uma reflexão sobre a própria experiência e à luz de conjecturas acerca do país e do mundo, elas podem se redefinir (ou apurar a definição de si mesmas). Mexer com a identidade significa, no caso, essencialmente assumir diferenças (diante das demais) e eleger caminhos para o futuro. Este, aliás, é exatamente o tipo de escolha que não é feita apenas com base nos preços de mercado.
Creio que a Embraer, cujo notável êxito estamos hoje comemorando, não praticou uma estratégia meramente defensiva. O mesmo pode ser dito acerca das recentes investidas da Sadia e possivelmente de outras empresas.
Não é de esperar, contudo, que esse tipo de posicionamento se generalize sem que imagens de futuro -destinadas, em última análise, a desinibir ou estimular decisões- sejam criadas e compartilhadas. Não tenho dúvidas de que a própria onda de investimentos estrangeiros recentemente verificada no Brasil e na Argentina -bem como em diversos outros países- foi decididamente estimulada pela idéia propagada pela Secretaria do Comércio do governo norte-americano de que é nesses mercados (os chamados "Big Emerging Markets") em que se dará o crescimento rápido, em setores já praticamente saturados nos centros desenvolvidos.
A importância para o país da reflexão precedente decorre de que, na nova economia brasileira, a expansão dependerá, muito mais do que no passado, do crescimento a ser alcançado pelas partes. Isso certamente não significa que não há o que fazer no plano das políticas públicas. Apenas alerta para a existência de uma nova realidade, que convida, mas não compele, à definição de novas estratégias.


Antonio Barros de Castro, 58, professor-titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.


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