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OPINIÃO ECONÔMICA
Além da sobrevivência
ANTONIO BARROS DE CASTRO
A desvalorização e a queda da
taxa de juros a ela associada colocaram em pauta a retomada
do crescimento. Face a isso,
muitos passaram a indagar-se,
de imediato, acerca do papel das
políticas públicas no novo contexto. Antes, porém, a meu juízo, é preciso entender melhor o
terreno em que nos encontramos situados.
As empresas produtoras de
bens transacionáveis ("tradables") se deparam hoje com uma
súbita melhora de suas oportunidades. É óbvio que há exceções -especialmente em casos
de elevado endividamento em
dólares. Mas não cabe duvidar
de que -admita-o ou não- a
grande maioria das empresas situadas na esfera dos tradables
encontra-se, neste exato momento, colocada diante de uma
indagação: o que fazer com o
grau de liberdade súbita e inesperadamente adquirido em decorrência de uma desvalorização que deu certo e abriu espaço
para uma substancial queda da
taxa de juros?
Para que a importância da indagação que acaba de ser feita
seja devidamente apreciada, é
preciso, no entanto, libertar-se
da crença amplamente difundida de que o comportamento das
empresas é pura e simplesmente
determinado pelos preços com
que elas se deparam no mercado. Essa crença, que domina inteiramente a chamada sabedoria econômica convencional,
impede que se tenham em conta
as mais importantes escolhas
feitas pelas firmas. Refiro-me às
opções que a diferenciam das
demais, definem as suas estratégias e estabelecem o seu roteiro
de crescimento.
Em suma, o câmbio confortável e os juros decentes completam um (novo) conjunto de preços relativos. As empresas podem reagir a esse novo ambiente, substituindo importações e
exportando mais. Isso é óbvio.
Mas podem também rever suas
estratégias. E isso, sim, faria diferença. Aqui, porém, uma breve recapitulação da história recente parece indispensável.
As mudanças ocorridas nas
empresas ao longo dos anos 1990
foram decididas no sufoco e
guiadas por um critério de sobrevivência. Mesmo aquelas que
se deram bem nada mais fizeram, em regra, que (melhor) delimitar e, se possível, consolidar
um certo domínio produto-mercado. Nesse sentido, todas (ou
quase todas) tiveram uma postura eminentemente defensiva
-ou, melhor dito, reativas. E isso inclui, insisto, aquelas que tiveram êxito e cresceram.
A experiência acumulada nestes duros anos, o novo câmbio e
os novos juros -e o que vem
ocorrendo no exterior nas suas
áreas de atuação- entreabrem
para as empresas a possibilidade de novas escolhas. Em outras
palavras, a partir de uma reflexão sobre a própria experiência
e à luz de conjecturas acerca do
país e do mundo, elas podem se
redefinir (ou apurar a definição
de si mesmas). Mexer com a
identidade significa, no caso, essencialmente assumir diferenças (diante das demais) e eleger
caminhos para o futuro. Este,
aliás, é exatamente o tipo de escolha que não é feita apenas
com base nos preços de mercado.
Creio que a Embraer, cujo notável êxito estamos hoje comemorando, não praticou uma estratégia meramente defensiva.
O mesmo pode ser dito acerca
das recentes investidas da Sadia
e possivelmente de outras empresas.
Não é de esperar, contudo, que
esse tipo de posicionamento se
generalize sem que imagens de
futuro -destinadas, em última
análise, a desinibir ou estimular
decisões- sejam criadas e compartilhadas. Não tenho dúvidas
de que a própria onda de investimentos estrangeiros recentemente verificada no Brasil e na
Argentina -bem como em diversos outros países- foi decididamente estimulada pela
idéia propagada pela Secretaria
do Comércio do governo norte-americano de que é nesses mercados (os chamados "Big Emerging Markets") em que se dará o
crescimento rápido, em setores
já praticamente saturados nos
centros desenvolvidos.
A importância para o país da
reflexão precedente decorre de
que, na nova economia brasileira, a expansão dependerá, muito mais do que no passado, do
crescimento a ser alcançado pelas partes. Isso certamente não
significa que não há o que fazer
no plano das políticas públicas.
Apenas alerta para a existência
de uma nova realidade, que
convida, mas não compele, à definição de novas estratégias.
Antonio Barros de Castro, 58, professor-titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
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