São Paulo, Quarta-feira, 16 de Junho de 1999
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INTEGRAÇÃO
União Européia tem de se preocupar com absorção de produtos agrícolas do leste do continente; entendimento com vizinhos é mais urgente
UE tem prioridades maiores que o Mercosul

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
da Sucursal de Brasília

A União Européia, em particular a França, tem prioridades mais urgentes e razões estratégicas importantes e muito concretas para não desejar abrir seu mercado a produtos agrícolas do Mercosul.
Ao contrário do que disse em São Paulo na semana passada o embaixador Renaud Vignal, diretor para as Américas do Ministério das Relações Exteriores da França, o veto de seu país ao início de negociações com tal objetivo no Rio no final deste mês não é fábula.
Ele existe e está calcado em motivos bastante compreensíveis, do ponto de vista europeu, como ficou claro em reunião realizada pelo Grupo de Análise de Conjuntura Internacional (Gacint) do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo.
Em primeiro lugar, a União Européia tem de se preocupar com a absorção dos produtos agrícolas que vêm do leste do continente.
Produtores importantes como Hungria e Polônia estão em processo de integração com a Europa ocidental. A vizinhança e a possibilidade de graves problemas sociais tornam um entendimento com esses países muito mais urgente do que com os do Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai), da perspectiva da maioria dos integrantes da União Européia.
Em segundo lugar, não há nenhuma disposição da parte da Europa para discutir com o Mercosul seu principal instrumento de protecionismo à agricultura, os subsídios estatais à produção agrícola.
Para que fazer concessões nesse setor por causa do Mercosul, se elas beneficiariam o mundo inteiro e se a Europa pode colocá-los na mesa do novo acordo mundial de comércio, que começa a ser discutido em novembro, com muito maior poder de barganha?
Além disso, um aspecto pouco ressaltado na discussão sobre o tema é o fato de que boa parte do negócio agrícola no Mercosul está sob controle de empresas de capital europeu (como a Parmalat).
Essas empresas têm grande lucratividade no mercado interno brasileiro e nenhum interesse de exportar nada para a Europa.
Pela ótica das empresas européias, a consumação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) será ótima notícia: ela lhes abrirá o agora impedido e sempre ambicionado mercado dos EUA.
No caso específico da França, a manutenção de subsídios agrícolas faz muito sentido político.
O presidente Jacques Chirac, que na década de 70 foi ministro da Agricultura no governo Chaban-Delmas, compreende isso melhor do que ninguém. Bulir na estabilidade dos produtores agrícolas na França é mexer em casa de marimbondos, com consequências políticas imprevisíveis.
Ainda há o problema da unidade da União Européia. A guerra nos Bálcãs já a colocou em excessivo risco para que seus integrantes queiram se dar ao luxo de voltar a dissidir por causa do Mercosul.
Assim, embora ainda ocorra intenso esforço diplomático para que, no próximo dia 21, seja conferido pelos ministros das relações exteriores europeus algum tipo de mandato que permita à comissão da União Européia discutir no Rio qualquer negociação com o Mercosul, com certeza não será nada que se compare à dimensão que se chegou a imaginar em 1997, quando Chirac esteve em Brasília.
Os interesses imediatos, e mesmo de longo prazo, da França e da maioria dos países europeus estão voltados para outros lugares do mundo, não para o Mercosul.
Participaram da reunião do Gacint na segunda-feira passada em São Paulo, entre outros, Gilberto Dupas, Marcus Jank, Guilherme Silva Dias, Marcos Gianetti da Fonseca e Geraldo Forbes.


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