São Paulo, quarta-feira, 16 de julho de 2008

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PAULO RABELLO DE CASTRO

Fugindo para a frente


As autoridades econômicas dos EUA parecem optar por bancar o erro, alimentando a crise que deveriam evitar

O GOVERNO dos EUA anuncia mais um socorro bilionário e as Bolsas caem mais. O que é isso?
Uma faceta central da crise financeira deflagrada nos EUA é a "fuga para a frente". Em vez de retroceder, as autoridades econômicas americanas parecem optar por bancar o erro, avançando na alimentação da crise que deveriam evitar.
A fuga para a frente consiste na tentativa de seguir acomodando o estresse econômico que emergiu do crescente desequilíbrio entre os recursos disponíveis e o apetite para gastar da sociedade americana. Em vez de tentarem fazer recuar os déficits público e privado, as políticas fiscal e monetária, cada vez mais folgadas, buscam desesperadamente manter os sinais vitais de atividade e nível de emprego. Mas os indicadores dos últimos meses são desapontadores.
A mágica da liquidez abundante e juros apontando para baixo, tantas vezes repetida, não dá os mesmos sinais de ressuscitamento do paciente. Apesar de haver trazido os juros básicos de 5% para 2%, o Fed não evitou a crise de confiança, que já tragou o Bear Stearns e que faz adernar perigosamente dois transatlânticos bem maiores, as empresas hipotecárias Fannie Mae e Freddie Mac.
A desvalorização da moeda americana é a maneira que os mercados encontram de enfrentar (e punir) a política da "fuga para a frente". Enquanto os agentes econômicos se mantiverem apostando na continuidade dessa política de não-confrontação com a realidade, também seguirão apostando contra o dólar e a favor de commodities, que são ativos reais, de alta liquidez, como os metais preciosos e o petróleo. O barril do petróleo já superou cerca de dez vezes a cotação nos anos recessivos da Presidência de Bush pai. Nada justifica tamanho descompasso.
Mas a taxa de juros praticada pelo Fed, esta, sim, está no âmago da política de não-enfrentamento, que tanto destoa da valentia e da belicosidade da administração americana, esta, também, outra fonte de enormes gastos militares, desequilibradores do Orçamento dos EUA.
Nada indica que a crise que a imprensa chamou de "subprime" tenda a se arrefecer. A perda de riqueza, em termos de recuo no valor de mercado, desde as grandes "blue chips" até o pequeno negócio da esquina, sobretudo dos imóveis das famílias americanas, representará, nos próximos meses, o maior baque econômico já sofrido pela nação americana, de grandeza equivalente à de uma Grande Depressão. Inútil não pensar sobre os reflexos já entranhados no tecido das outras economias que interagem com a americana: os europeus acusam o golpe, mas a China sentirá pela primeira vez os efeitos que os brasileiros conhecem tão bem: a valorização cambial que enriquece alguns, mas desemprega milhões.
O mundo terá que lidar com uma sinistra mistura de pressão inflacionária e estagnação da demanda.
Acabou o cenário maravilhoso da "nova economia" que Greenspan projetava com o fim dos ciclos econômicos. Até que ponha os móveis da casa no lugar, o próximo dirigente americano terá um desafio do porte daquele que enfrentou o presidente Roosevelt nos difíceis anos 30.
O Brasil, nesse contexto mundial adverso, acumula vantagens interessantes, de que não desfrutou em episódios de outras crises globais.
Poderia, desta vez, fazer do limão uma ótima limonada. Mas isso exigiria um nível de coordenação do "querer coletivo", por parte dos nossos dirigentes políticos, que parece estar totalmente fora do radar. Mas ainda há tempo de mudar. A própria crise, por sua extensão e gravidade, vai nos dar a chance dessa reflexão.



PAULO RABELLO DE CASTRO, 59, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
paulo@rcconsultores.com.br


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