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São Paulo, sábado, 16 de agosto de 2003

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ARTIGO

EUA continuam na penumbra

PAUL KRUGMAN

Há cerca de 20 meses a economia dos EUA vem operando em uma zona de penumbra: crescendo rápido demais para preencher a definição clássica de recessão, mas com demasiada lentidão para preencher os critérios típicos de uma recuperação. Não há nada especialmente misterioso em nossa situação. Mas as recentes coberturas e comentários na imprensa -em particular as entusiásticas manchetes que se seguiram ao modesto aumento do crescimento e ao modesto declínio dos pedidos de seguro-desemprego- sugerem que algumas pessoas ainda não entenderam. Então aqui vai um breve curso de recapitulação sobre economia da zona de penumbra.
Desde novembro de 2001 -data que o Departamento Nacional de Pesquisa Econômica, em uma decisão polêmica, declarou como o fim da recessão- a economia americana cresceu em um índice anual de cerca de 2,6%. Isso pode não parecer tão ruim, mas no que se refere aos empregos não houve nenhuma recuperação. As folhas de pagamento não-agrícolas encolheram em média 50 mil por mês desde o início da "recuperação", o que representa 1 milhão dos 2,7 milhões de empregos perdidos desde março de 2001.


Embora os números do crescimento e dos pedidos de seguro-desemprego sejam boas notícias, eles não nos dizem que a economia melhora, mas apenas que piora mais suavemente


Enquanto isso, o emprego está perseguindo um alvo móvel, porque a população em idade de trabalhar continua crescendo. Somente para acompanhar o crescimento populacional, os EUA precisam acrescentar cerca de 110 mil empregos por mês. Quando não conseguem, os empregos se tornam cada vez mais difíceis de encontrar. Neste momento as condições do mercado de trabalho provavelmente são as piores dos últimos 20 anos (o índice de desemprego medido não é tão alto, mas principalmente porque muitas pessoas desistiram de procurar trabalho).
Tudo isso causa muito sofrimento -não apenas a perda de renda mas também a ansiedade e a humilhação que vêm com o desemprego em longo prazo. Há algum alívio à vista?
Nas últimas semanas dois números provocaram vários pronunciamentos otimistas. Um é a estimativa preliminar de crescimento no segundo trimestre, que foi de 2,4% em termos anuais -um ponto a mais do que se esperava. Outra é o índice de novos pedidos de seguro-desemprego, que caíram ligeiramente abaixo de 400 mil por semana.
Embora os números do crescimento e dos pedidos de seguro sejam boas notícias, eles não nos dizem que a economia melhora. Tudo o que dizem é que as coisas estão piorando mais suavemente.
Isso deveria ser evidente no que se refere ao crescimento. Eu vi manchetes dizendo até que no segundo trimestre o crescimento "disparou". Hein? Esse índice de 2,4% foi um pouco menos que a média durante nossa recuperação com desemprego. Apenas para estabilizar o mercado de trabalho em seu atual estado desolador provavelmente seria necessário um crescimento de pelo menos 3,5%; seria preciso muito mais que isso para devolver a economia a alguma coisa parecida com o pleno emprego.
Enquanto isso, sobre os pedidos de seguro-desemprego: de alguma forma aquele parâmetro de 400 mil por semana adquiriu muito mais importância do que merece na cabeça das pessoas. Por exemplo, foram feitos 398 mil pedidos até anteontem -e isso foi considerado boa notícia porque é (praticamente nada) abaixo do número mágico.
Bem, aqui está uma perspectiva: desde novembro de 2001 houve 414 mil novos pedidos por semana, em média. Um número um pouco menor que esse poderia significar um emprego em folha de pagamento estável ou em ligeiro aumento -mas, como acabamos de ver, isso não chega a ser suficiente. Em comparação, em 2000 -um ano de bom crescimento do emprego, mas não ótimo- os pedidos semanais foram 305 mil em média. Minha conclusão é que a situação dos desempregados não melhorará se os pedidos de seguro não caírem muito mais do que caíram.
Então uma recuperação real e sem ambiguidades estaria logo depois da esquina? Os relatórios econômicos recentes tinham uma sensação de "boa notícia-má notícia". As empresas estão começando a comprar um pouco de equipamento; isso é bom. Mas elas parecem estar envolvidas em investimento de reposição, e não em expansão da capacidade; isso é ruim. Os consumidores estão gastando; isso é bom. Mas o aumento das taxas de juros parece ter posto fim ao boom de refinanciamento que coloca dinheiro no bolso dos consumidores; isso é ruim. E assim por diante.

Truque notável
O melhor palpite é que o crescimento no segundo semestre será mais rápido que no primeiro, possivelmente alto o suficiente para criar alguns empregos, mas não o bastante para tornar mais fácil encontrar trabalho. Em outras palavras, em termos do que mais importa, a economia continuará se deteriorando.
Tudo isso, é claro, é uma denúncia de nossa política econômica -uma política que conseguiu o truque notável de gerar imensos déficits orçamentários sem dar muito estímulo à economia. Mas isso é assunto para outro dia.

Paul Krugman, economista, é professor na Universidade Princeton (EUA) e colunista do "New York Times".

Tradução de Luiz Roberto Gonçalves


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